sábado, 4 de outubro de 2008

Modelos

Incontáveis grãos
Modelos de explicação
Criatividade que flui em mim
Grãos brotando sem fim

Na peneira-entendimento
fechou o paradoxo
em mistério e contradição?
ou abriu em sentido e compreensão?

Tão belo foi o grão
Que passou da peneira
e abriu na minha mão
Me trouxe outro olhar
Permaneceu...
Até não mais se sustentar

Medo de perder o chão
Criando pra ter onde me agarrar
Acreditar...
Na confusão afundo
e me perco sem querer olhar
a simplicidade daquilo que é


Luís Paulo Lopes

domingo, 14 de setembro de 2008

Shunyata: "O que é" é "o que é" - Chogyam Trungpa

Shunyata — o nada, o vazio, a vacuidade, a ausência de dualidade e conceituação. O mais conhecido dos ensinamentos de Buda sobre o assunto é apresentado no Prajnaparamita-hridaya, também chamado Sutra do Coração; (...)

Disse Avalokiteshvara: "O, Shariputra, a forma é vazia, o vazio é forma; a forma não é mais do que o vazio, o vazio não é mais do que a forma." Não precisamos descer aos pormenores do diálogo deles, mas podemos examinar essa afirmação a respeito da forma e do vazio, que é o ponto principal do sutra. E por isso precisamos ser muito claros e muito precisos acerca do significado do termo "forma".

Forma é o que é antes de projetarmos nossos conceitos sobre ela. É o estado original do "que está aqui", as qualidades coloridas, vividas, impressionantes, dramáticas, estéticas, que existem em todas as situações. Forma pode ser uma folha caindo de urna árvore e pousando num rio que desce de uma montanha; pode ser a plena claridade do luar, uma sarjeta na rua ou um monte de lixo. Essas coisas são "o que é", e, num sentido, são todas idênticas: todas são formas, todas são objetos, todas são precisamente "o que é". As avaliações que lhes dizem respeito são formadas mais tarde em nossa mente. Se efetivamente olharmos para as coisas como elas são, veremos que são apenas formas.

Portanto, a forma é vazia. Mas vazia do quê? A forma é vazia de nossas idéias preconcebidas, vazia dos nossos julgamentos. Se não avaliarmos e categorizarmos a folha da árvore que cai e pousa na corrente de água como oposta ao monte de lixo, então, ambos estarão ali, serão “o que é”. Eles são vazios de preconceitos. São precisamente o que são, naturalmente! O lixo é lixo, a folha da árvore é a folha da árvore, "o que é" é "o que é". A forma será vazia se a virmos na ausência de nossas próprias interpretações dela.

sábado, 13 de setembro de 2008

Natureza da realidade: Budismo e Ciência - Lama Padma Samten


Lama Padma Samten - físico e budista.

O que aconteceu (...), foi eu perceber a grande profundidade do pensamento budista e como ele poderia me levar além dos paradigmas usuais da ciência. Resumindo, me dei conta de que o cientista pode até perceber o fato de que a realidade para a qual ele olha é inseparável da realidade que ele tem dentro, porém, está sempre mais preocupado com a realidade que está fora, porque é assim que ele faz sua busca. Vai sempre olhar o que está fora. Quando me deparei com esta questão do dentro-fora, vi que o espaço interno é muito maior do que o externo. Foi nesse momento que fundei o Centro de Estudos Budistas Bodisatva e propus ao Departamento de Filosofia da UFRGS, e mais tarde ao Departamento de Física, a criação de uma disciplina que tratasse desses elementos ligados à cognição, à compreensão do saber, de como nós sabemos, como nós aprendemos e entendemos, mas especialmente de como nós nos enganamos. Tratando dessas questões, de qual é o erro do cientista, porque os cientistas comprovam experimentalmente suas teorias e mesmo assim elas mudam. É espantoso, porque elas são comprovadas experimentalmente, mas mesmo assim, mudam, não perduram.


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Budismo e a Condição Humana

O presente texto é a tradução de uma palestra promovida pela Ordem Monástica Karma Teksum Chohorling, pronunciada em língua tibetana e traduzida para o inglês por intérprete tibetano, em dezembro de 1988, no Rio de Janeiro.


Todos nós, seres sensoriais, desejamos nos libertar do sofrimento e da dor. Com este sincero desejo de libertação nos dedicamos a todas as atividades, e tudo a que nos dedicamos a todas as atividades, e tudo a que nos dedicamos visa a libertação de mais sofrimento.

Enquanto prosseguimos nossas vidas, é difícil e raro que consigamos o que buscamos ser feliz com o que atingimos. Tão pronto chega-se a algo, há felicidade superficial e, por trás disto, impossibilidade de satisfação. Quanto mais temos, mais insatisfeito no sentimos, ou seja, há a ausência de um sentido de moderação. A mente, por seus hábitos, não conhece limites, e daí mais e mais sofrimentos decorrem. Assim, o sofrimento é contínuo. Isto não são palavras, mas é experiência.

Como não realizar a liberdade se a procuramos? A questão é que nossa abordagem é confusa com respeito ao sofrimento. Nossa abordagem é ficar livre do sofrimento, mas não sabemos como encontrar o conhecimento de olhar internamente a causa do sofrimento. Quando nos libertamos da prática externa e da experiência do sofrimento, nos libertamos só na superfície, sem tocar no aspecto fundamental . O que fazemos é tentar evitar a experiência do sofrimento. Temos a noção de que sofrimento é algo errado, algo externo, e tentamos ficar afastados tanto quanto possível. A fuga não dá frutos sem que se localize a causa deste sofrimento, e sem dela nos libertarmos não nos libertaremos de sua experiência. É equivocado pensar em agastar-se da experiência sem afastar-se da causa.

É uma visão errada colocar sofrimento com algo externo, como originado de fora. O sofrimento depende de circunstâncias externas, mas estas não são a causa-em-si do sofrimento. Quando permitimos que o exterior nos influencie, isto é uma permissão.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Transformação Individual e o Futuro do Planeta - Stanislav Grof

Nas últimas poucas décadas, tem se tornado cada vez mais claro que a humanidade está enfrentando uma crise de proporções sem precedentes. A ciência moderna desenvolveu medidas efetivas que poderiam resolver a maior parte dos problemas urgentes do mundo atual – combate à maioria das doenças, eliminar a pobreza e a fome, reduzir a quantidade do desperdício industrial e substituir os combustíveis não renováveis por fontes de energia limpa.

Os problemas que permanecem no caminho não são de natureza econômica e tecnológica. A fonte profunda da crise global está dentro da personalidade humana e reflete o nível de evolução de nossa espécie. Por causa das forças não domadas da psique humana, recursos inimagináveis estão sendo desperdiçados no absurdo da corrida armamentista, luta pelo poder e a perseguição de metas como “crescimento ilimitado.” Esses elementos da natureza humana também impedem uma distribuição mais apropriada das riquezas entre as nações e os indivíduos, bem como a reorientação da ênfase puramente política e econômica para as prioridades ecológicas que são essenciais para a manutenção da vida no planeta.

As negociações diplomáticas, as medidas legais e administrativas, as sanções econômicas e sociais, as intervenções militares e outros esforços semelhantes tiveram muito pouco sucesso até o momento. De fato, eles na realidade produziram mais problemas que soluções. Está se tornando cada vez mais clara a razão pela qual tais medidas só poderiam falhar. Em primeiro lugar, é impossível aliviar a crise pela aplicação de estratégias baseadas apenas na ideologia que a criou. Em última análise, a crise global atual é de natureza psico/espiritual. Desse modo é difícil imaginar que ela pudesse ser resolvida sem a transformação interna radical da humanidade e sua elevação a um nível mais alto de maturidade emocional e consciência espiritual.

Considerando o papel de destaque da violência e da ganância na história humana, a possibilidade de transformação da humanidade atual em um conjunto de indivíduos capazes de uma coexistência pacífica com seus companheiros dos sexos masculino e feminino, a despeito das diferenças de cor, raça e convicção política e religiosa, sem falar nas outras espécies, certamente não parece muito plausível. Estamos enfrentando um desafio tremendo de instalar na humanidade profundos valores éticos, sensibilidade para as necessidades dos outros, simplicidade voluntária e um agudo senso para com os imperativos ecológicos. Num primeiro relance, essa tarefa parece ser utópica e não realista e não oferecer nenhuma real esperança.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A Prática e a Natureza da Mente

Todos têm a possibilidade da liberdade completa que não gozamos hoje. Neste estado atual, ainda estamos na experiência de sofrimento. Enquanto tivermos a mente consciente, a experiência de iluminação não estará separada da mente iluminada. Devido ao dualismo, não somos capazes de reconhecer isto.

A fixação dualística separa sujeito e objeto. Nossa qualidade básica é o vazio, a ausência de forma, qualidade ou ponto de referência. Quando não reconhecemos a característica de nossa mente, ficamos presos à mente dual.

Devido à característica da mente vazia, existe o surgimento não-obstruído da mente. Esta compreensão não-obstruída é que se chama de clareza ou luminosidade da mente. Não reconhecendo a existência não-condicionada da mente, temos a noção de "objeto" ou "outro" e nos fixamos nisto. A existência da mente é livre de surgimento e desaparecimento, de obstruções e sensações, e de fixação em um ponto. Assim, a natureza da mente é a inseparabilidade entre luminosidade e vazio.

Quando falamos em termos de sabedoria suprema ou verdade absoluta, falamos desta inseparabilidade. Não estamos falando de nada fora da própria mente. Tal natureza é a natureza de todos os fenômenos. Assim, focando o ponto de vista confuso, vemos imagens externas e jogos projetados pela mente.


segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sobre a Entrega - Chögyam Trungpa

Entregar-nos também significa reconhecer as qualidades cruas, rudes, desajeitadas e chocantes do nosso ego, reconhecê-las e renunciar a elas. Geralmente, achamos muito difícil mostrar e entregar as qualidades nuas e cruas do nosso ego. Embora possamos odiar-nos, ao mesmo tempo, vemos neste auto-ódio uma espécie de serventia. Apesar de não gostarmos do que somos e acharmos penosa nossa auto-condenação, ainda assim não conseguimos abrir mão deste fato completamente. Se começamos a renunciar nossa autocrítica, podemos sentir que estamos perdendo a nossa ocupação, como se alguém estivesse tirando o nosso emprego. Não teríamos nenhuns outros afazeres, se tivéssemos que renunciar a tudo; não haveria coisa alguma a que nos agarrar. A auto-avaliação e a autocrítica são, basicamente, tendências neuróticas que decorrem do fato de não termos suficiente confiança em nós mesmos, "confiança" no sentido de ver o que somos, saber o que somos, saber que podemos permitir-nos uma abertura. Podemos permitir-nos a entrega dessa qualidade neurótica nua e crua do eu, e deixar para trás o fascínio, deixar para trás as idéias preconcebidas. (...)

A decepção é o melhor veículo que podemos usar no caminho do dharma. Ela não confirma a existência do nosso ego nem de seus sonhos. Entretanto, se estamos envolvidos com materialismo espiritual, se encaramos a espiritualidade como parte de nosso acúmulo de aprendizado e virtudes, se a espiritualidade se transforma num meio de nos formar a nós mesmos, o curso de todo o processo de entrega está completamente distorcido. Se consideramos a espiritualidade um meio de adquirirmos conforto, toda vez que tivermos uma experiência desagradável, uma decepção, tentaremos racionalizá-la: "É claro que isto deve ser um gesto de sabedoria da parte do guru, pois eu sei, tenho certeza de que ele não faz nada que seja prejudicial. Guruji é um ser perfeito e tudo o que faz está certo. Tudo o que faz, não importa o quê, Guruji faz por mim, porque está do meu lado. Por isso estou em condições de me abrir. Posso entregar-me com segurança. Sei que estou seguindo pelo caminho certo." Há qualquer coisa não muito certa numa atitude assim. Na melhor das hipóteses, ela é simplista e? ingênua. Ficamos cativados pelo aspecto impressionante, inspirador, digno e pitoresco de "Guruji". Não ousamos ter um outro ângulo de visão. Desenvolvemos a convicção de que tudo quanto vivenciamos faz parte do nosso desenvolvimento espiritual. "Eu consegui. Eu vivenciei a experiência. Sou uma pessoa que se fez por si mesma e sei quase tudo, porque li livros e eles confirmam minhas crenças, minhas idéias, que eu tenho razão. Tudo coincide."

domingo, 17 de agosto de 2008

Sobre as Quatro Nobres Verdades - Chögyam Trungpa

É preciso começar vendo a realidade de duhkha, palavra sânscrita que significa "sofrimento", "insatisfação" ou "dor". Ocorre a insatisfação porque a mente gira de tal maneira que o seu movimento parece não ter princípio nem fim. Os processos do pensamento continuam indefinidamente: pensamentos do passado, pensamentos do futuro, pensamentos do presente. Isso gera irritação. Os pensamentos estimulados pela insatisfação são também idênticos a ela, duhkha, a sensação constantemente repetida de que alguma coisa está faltando, está incompleta em nossa vida. Seja como for, alguma coisa não está bem certa, não o bastante. Vivemos tentando preencher a lacuna, endireitar as coisas, encontrar aquela pontazinha extra de prazer ou segurança. A contínua ação da luta e da azáfama é exasperante e dolorosa. Finalmente, começa a irritar-nos o simples fato de sermos quem somos, de sermos "nós".

Desse modo, compreender a verdade de duhkha é realmente compreender a neurose da mente. Somos impelidos para cá e para lá com muita energia. Quer comamos, quer durmamos, quer trabalhemos, quer joguemos, seja o que for que façamos, a vida contém duhkha, insatisfação, dor. Se nos agrada o prazer, receamos perdê-lo; esforçamo-nos por lograr mais e mais prazer ou tentamos retê-lo. Se sofremos dor, desejamos fugir dela. Experimentamos insatisfação o tempo todo. Todas as atividades encerram insatisfação ou dor, continuamente.


Seja como for, modelamos a vida de um modo que nunca nos dá tempo de provar-lhe o sabor. Há um contínuo estar ocupado, uma contínua busca do momento seguinte, uma contínua característica gananciosa de viver. Isso é duhkha, a Primeira Nobre Verdade. Compreender e enfrentar o sofrimento é o primeiro passo.

Tendo-nos tornado agudamente cônscios da nossa insatisfação, começamos a buscar uma razão para ela, a sua origem. Examinando nossos pensamentos e ações descobrimos que estamos sempre lutando para nos manter e destacar. Compreendemos que a luta é a raiz do sofrimento. Então, procuramos compreender o processo da luta: isto é, como o ego se desenvolve e opera. Esta é a Segunda Nobre Verdade, a verdade da origem do sofrimento.

O Poder Separador do Mal - Stanislav Grof


Algumas das pessoas que experimentaram um encontro pessoal com o Mal Cósmico tiveram alguns insights interessantes a respeito de sua natureza e função no esquema universal das coisas. Elas viram que esse princípio está intrincadamente entretecido na textura da existência e que ele permeia em formas cada vez mais concretas todos os níveis da criação. Suas várias manifestações são expressões da energia que faz com que as unidades projetadas da consciência sintam-se separadas umas das outras. Ela também as alienam de sua fonte cósmica, a Consciência Absoluta indiferenciada. Desse modo elas são impedidas de perceber sua identidade com sua fonte e também de perceber sua unidade básica de umas com as outras.

Desse ponto de vista, o mal está intimamente ligado ao dinamismo ao qual me referi anteriormente como “dissociação”, “trabalhos em tela” ou “esquecimento”. Desde que a brincadeira divina, o drama cósmico é inimaginável sem protagonistas individuais, sem entidades distintas separadas, a existência do mal é absolutamente essencial para a criação do mundo como o conhecemos. Esse entendimento está basicamente de acordo com a noção encontrada em algumas escrituras místicas cristãs de acordo com as quais o anjo decaído Lúcifer (literalmente, “portador da luz”), como representante das polaridades, é visto como uma figura demiúrgica. Ele leva a humanidade na fantástica viagem ao mundo da matéria. Abordando o problema de uma outra perspectiva podemos dizer que, em última análise, o mal e o sofrimento são baseados numa falsa percepção da realidade, particularmente na crença dos seres sencientes de que são individualidades separadas. Esse insight constitui uma parte essencial da doutrina budista da anatta ou Anātman (não eu).

Hino à Matéria - Teilhard de Chardin


Bedita sejas tu,
áspera matéria,
terra estéril,
dura rocha,
que cedes apenas à violência
e nos forças a trabalhar
se quisermos comer.

Bendita sejas,
poderosa matéria,
evolução irresistível,
realidade sempre nascendo,
que a cada momento fazes em estilhaços nossos limites
e nos obrigas a procurar
cada vez mais profundamente a verdade.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A Perfeita Ilusão: Os Segredos da Identidade Falsa - Stanislav Grof


Nos estados holotrópicos, podemos transcender as fronteiras do ego corporificado com o qual nós usualmente nos identificamos e ter experiências convincentes de nos tornar outras pessoas, animais, plantas e mesmo partes inorgânicas da natureza ou vários seres mitológicos. Descobriremos que a separação e descontinuidade que nós usualmente percebemos dentro da criação é arbitrária e ilusória. E quando todas as fronteiras são dissolvidas e por nós transcendidas, poderemos experienciar a identificação com a própria fonte criativa, seja na forma da Consciência Absoluta seja como o Vazio Cósmico. Nós então descobriremos que nossa identidade real não é o self individual, mas o Self Universal.


Se for verdade que nossa natureza mais profunda é divina e que nós somos idênticos ao princípio criativo do universo, como explicamos a intensidade da crença que somos um corpo físico existindo num mundo material? Qual seria a natureza dessa ignorância fundamental referente à nossa verdadeira identidade, esse véu misterioso do esquecimento que Alan Watts chamou de “tabu de saber quem somos”? (Watts 1966). Como é possível que uma entidade infinita espiritual eterna cria a partir de si mesma e dentro de si mesma um fac-símile virtual de uma realidade tangível povoada por seres sencientes que experienciam a si mesmos como separados de sua fonte e uns dos outros? Como podem os atores do drama cósmico ser iludidos acreditando na existência objetiva de sua realidade ilusória?

terça-feira, 12 de agosto de 2008

A conversa que Sri Ramakrishna versou sobre o Conhecimento de Brahman

Brahman (o absoluto) está além de vidya e avidya - conhecimento e ignorância. Está além de maya, a ilusão da dualidade. O mundo consiste da dualidade de conhecimento e ignorância. Contém conhecimento e devoção, mas também, apego a ‘mulher e ouro’; honradez e iniqüidade; bem e mal, porém, Brahman não está apegado a nada. O bem e o mal afetam somente o Jiva, a alma individual, assim como ocorre com a retidão e a iniqüidade, mas Brahman não é afetado por elas. “Um homem pode ler o Bhagavata à luz de um lampião e outro pode cometer uma falsificação sob essa mesma luz, mas o lampião não é afetado. O sol derrama sua luz para os bons e para os maus. “Vocês podem perguntar, ‘Como então, se explica a miséria, o pecado e a infelicidade?’ A resposta é que esses aplicam-se apenas ao Jiva. Brahman mantém-se intocado por eles. Há veneno na cobra; embora as pessoas possam morrer ao serem mordidas por ela, ela mesma não é afetada pelo veneno. “O que Brahman é, não pode ser descrito. Todas as coisas do mundo – os Vedas, os Puranas, os Tantras, os seis sistemas filosóficos – foram todos maculados, como a comida que foi tocada pela língua, porque foram lidos e pronunciados pela língua. Somente uma coisa não foi maculada dessa maneira e esta é Brahman. Nunca ninguém foi capaz de dizer o que Brahman é.

Os homens freqüentemente pensam que entenderam Brahman em toda a plenitude. Uma vez, uma formiga foi até um monte de açúcar. Um grão foi o suficiente para encher seu estômago. Pegando mais um grão com a boca, foi para casa. A caminho pensou: ‘Na próxima vez trarei o monte todo.’ É desse modo que as mentes pouco profundas pensam. Desconhecem que Brahman está além das palavras e pensamentos. Por maior que um homem seja, quanto poderá conhecer de Brahman? Shukadeva e outros sábios como ele, podem ter sido grandes formigas, mas mesmo eles não poderiam ter carregado mais do que oito ou dez grãos de açúcar! “Pelo que foi dito nos Vedas e Puranas, sabe como isso é? Suponhamos que um homem tenha visto o oceano e alguém lhe pergunte: ‘Bem, como é o oceano?’ O primeiro homem abre a boca o mais que pode e responde: ‘Que vista! Que tremendas ondas e barulho!’ A descrição de Brahman nos livros sagrados é assim. Está descrito nos Vedas que Brahman é da natureza de Bem-aventurança – Ele é Satchidananda. “Shuka e outros sábios chegaram até a praia do Oceano de Brahman, viram e tocaram a água. Mas segundo uma escola de pensamento, jamais mergulharam. Aqueles que o fazem não retornam ao mundo.

domingo, 10 de agosto de 2008

O Impacto do Processo Holotrópico nos Valores Éticos e no Comportamento - Stanislav Grof

Antes de podermos apreciar de modo global as implicações éticas que os profundos e transcendentes insights possam ter em nosso comportamento, devemos levar em consideração alguns fatores adicionais. A exploração experimental que tornam disponíveis tais insights profundos revelam tipicamente a existência em nosso subconsciente de fontes de informações transpessoais, biográficas, e de nossa ganância. O trabalho psicológico realizado sobre tais dados conduz a uma redução significativa de nossa agressividade e a um aumento de nossa tolerância. Também encontramos um amplo espectro de experiências transpessoais nas quais nós nos identificamos com vários aspectos da criação. Isso resulta numa profunda reverência pela vida e empatia por todos os seres sencientes. O mesmo processo através do qual nós estamos descobrindo o vazio das formas e a relatividade dos valores éticos também reduz significativamente nossa predisposição para o comportamento imoral e antisocial e nos ensina a amar e ter compaixão.

Desenvolvemos um novo sistema de valores que não é baseado em normas convencionais, preceitos, mandamentos e medo de punição, mas em nosso conhecimento e compreensão da ordem universal. Percebemos que somos uma parte integrante da criação e que ferindo os outros nós estaríamos ferindo a nós mesmos. Além disso, a auto exploração profunda nos conduz à descoberta experiencial da reencarnação e da lei do carma. Isso nos traz a percepção da possibilidade de sérias repercussões experienciais do comportamento prejudicial, mesmo aqueles que escapam das reações da sociedade.


Platão estava claramente consciente das profundas implicações morais de nossas crenças no que se refere ao prosseguimento da vida após a morte biológica. Em seu livro Leis (Platão, 1961a) ele escreve que Sócrates dizia que a falta de conseqüências postmortem de nossos atos seria “uma dádiva aos perversos.” Nos estágios avançados de desenvolvimento espiritual, a combinação de decréscimo de agressividade, declínio de orientação egocêntrica, sentimento de ser um com os seres sencientes, e as consciências do carma torna-se um fator importante fator que governa nossa conduta no dia-a-dia.

Sobre a percepção da realidade - Aldous Huxley

Refletindo sobre minha experiência, vejo-me levado a concordar com o eminente filósofo de Cambridge, dr. C. D. Broad, "que será bom considerarmos, muito mais seriamente do que até então temos feito, o tipo de teoria estabelecida por Bergson, com relação à memória e ao senso de percepção. Segundo ela, a função do cérebro e do sistema nervoso é, principalmente, eliminativa e não produtiva. Cada um de nós é capaz de lembrar-se, a qualquer momento, de tudo que já ocorreu conosco, bem como de se aperceber de tudo o que está acontecendo em qualquer parte do universo. A função do cérebro e do sistema nervoso é proteger-nos, impedindo que sejamos esmagados e confundidos por essa massa de conhecimentos, na sua maioria inúteis e sem importância, eliminando muita coisa que, de outro modo, deveríamos perceber ou recordar constantemente, e deixando passar apenas aquelas poucas sensações selecionadas que, provavelmente, terão utilidade prática".


De acordo com tal teoria, cada um de nós, possui em potencial, a Onisciência. Mas, visto que somos animais, o que mais nos preocupa é viver a todo custo. Para tornar possível a sobrevivência biológica, a torrente da Onisciência tem que passar pelo estrangulamento da válvula redutora que são nosso cérebro e sistema nervoso. O que consegue coar-se através desse crivo é um minguado fio de conhecimento que nos auxilia a conservar a vida na superfície desse singular planeta. Para formular e exprimir o conteúdo dessa sabedoria limitada, o homem inventou, e aperfeiçoa incessantemente, esses sistemas de símbolos com suas filosofias implícitas a que chamamos idiomas. Cada um de nós é, a um só tempo, beneficiário e vítima da tradição linguística dentro da qual nasceu - beneficiário, porque a língua nos permite o acesso aos conhecimentos acumulados oriundos da experiência de outras pessoas; vítimas, porque isso nos leva a crer que esse saber limitado é a única sabedoria que está a nosso alcance; e isso subverte nosso senso de realidade, fazendo com que encaremos essa noção como a expressão da verdade e nossas palavras como fatos reais. Aquilo que na terminologia religiosa, recebe o nome de "este mundo" é apenas o universo do saber reduzido, expresso e como que petrificado pela limitação dos idiomas. Os vários "outros mundos" com os quais os seres humanos entram esporadicamente em contato não passam, na verdade, de outros tantos elementos componentes da ampla sabedoria inerente à Onisciência. A maioria das pessoas, durante a maior parte do tempo, só toma conhecimento daquilo que passa através da válvula de redução e que é considerado genuinamente real pelo idioma de cada um. No entanto, certas pessoas parecem ter nascido com uma espécie de desvio que invalida essa válvula redutora. Em outras, o desvio pode surgir em caráter temporário, seja espontaneamente, seja como resultado de "exercícios espirituais" voluntários, do hipnotismo ou da ingestão de drogas. Mas o fluxo de sensações que percorre esse desvio, seja ele permanente ou temporário, não é suficiente pra que alguém se aperceba "de tudo o que esteja ocorrendo em qualquer lugar do universo" (uma vez que o desvio não destrói a válvula de redução, que ainda impede que se escoe por ela toda a torrente da Onisciência), embora possibilite a passagem de algo mais - e sobretudo diferente - do que aquelas sensações utilitárias, cuidadosamente selecionadas, que a estreiteza de nossas mentes considera uma imagem completa (ou, no mínimo, suficiente) da realidade.

"Retirado de: As portas da percepção; de Aldous Huxley"

Emergência Espiritual: Para Compreender a Crise de Evolução - Stanislav Grof

"O místico, dotado de talentos inatos..., e seguindo... a instrução de um mestre, entra na água e descobre que sabe nadar; o esquizofrênico, por sua vez, despreparado, sem orientação e sem dotes, caiu nela, ou mergulhou voluntariamente, e está se afogando."
Joseph Campbell, Myths to Live By

Sentimentos de unidade com todo o universo. Visões e imagens de épocas e locais distantes. Sensações de vibrantes correntes de energia percorrendo o corpo, acompanhadas de espasmos e de violentos tremores. Visões de divindades, semideuses e demônios. Vividos vislumbres de luzes brilhantes e das cores do arco-íris. Temores de insanidade, e até de morte, iminente.

Quem passar por esses fenômenos físicos e mentais extremos é rotulado imediatamente de psicótico pela maioria dos ocidentais de hoje. Contudo, um número crescente de pessoas parece estar tendo experiências incomuns semelhantes às descritas acima e, em vez de se perderem sem esperança na insanidade, esses indivíduos costumam sair desses estados mentais extraordinários com um sentido cada vez maior de bem-estar e com um nível superior de funcionamento na vida diária. Em muitos casos, problemas emocionais, mentais e físicos de longa data são curados nesse processo.

Encontramos muitos paralelos desses incidentes nas histórias de vidas de santos, de iogues, místicos e xamãs. Com efeito, a literatura e as tradições religiosas de todo o mundo validam o poder de cura e de transformação desses estados incomuns para as pessoas que passam por eles. Por que, então, as pessoas que têm essas experiências no mundo de hoje são consideradas, quase todas, mentalmente doentes?

Pesquisa da Consciência e Filosofia Eterna - Stanislav Grof

Através dos séculos, essas experiências (transpessoais) e os novos mundos que elas descortinam têm sido objeto de descrições no contexto das filosofias espirituais e tradições místicas, tais como o Vedanta, Hinayãna e Mahayãna Budistas, Taoismo, Sufismo, Gnoticismo, misticismo cristão, Cabala, e muitos outros sistemas espirituais sofisticados. As descobertas de minhas pesquisas e as pesquisas gerais relativas à consciência confirmam, em sua essência, como também amparam a posição de tais ensinamento antigos. Eles estão em completo conflito com os fundamentos mais fundamentais da ciência materialista no que concerne à consciência, natureza humana e a natureza da realidade. Eles claramente indicam que a consciência não é o produto do cérebro, e sim um princípio primário da existência, desempenhando um papel fundamental na criação do mundo fenomenal.

Aquelas pesquisas mudaram radicalmente nossa concepção da psique humana. Elas mostram que, em última análise, a psique de cada um de nós é, guardadas as devidas proporções, essencialmente o reflexo da existência como um todo e, no final das contas, é dotada do mesmo princípio criativo do próprio universo. Tal conclusão, embora seriamente desafiadora da cosmovisão das modernas sociedades tecnológicas, está amplamente de acordo com a imagem da realidade encontrada nas grandes tradições espirituais e místicas do mundo, as quais foram chamadas pelo escritor e filósofo anglo-americano Aldous Huxley de “perennial-philosophy” – filosofia eterna (Huxley 1945).


A pesquisa moderna da consciência tem gerado importantes dados que amparam os princípios básicos da filosofia eterna. Ela tem revelado a existência de um projeto intencional amplo subjacente a toda a criação e tem mostrado que tudo na existência está permeado por uma inteligência superior. À luz dessas novas descobertas, a espiritualidade é definida como um esforço legítimo e importante da vida humana, já que ela reflete a dimensão crucial da psique humana e do esquema universal das coisas. As tradições místicas e as filosofias espirituais do passado têm sido freqüentemente descartadas e mesmo ridicularizadas como sendo “irracionais” e “não-científicas.” Esse é um julgamento desinformado ao mesmo tempo que injustificado e sem nenhuma garantia. Muitos dos grandes sistemas espirituais são produtos de séculos de investigação profunda da psique humana e da consciência que, sob vários aspectos, é semelhante à pesquisa científica.

Profeta do psicodélico - IstoÉ entrevista Grof

Stanislav Grof foi um dos primeiros a conhecer o LSD e agora é o maior guru da psicologia transpessoal

MIRNA GRZICH
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Com Timothy Leary, recentemente falecido, e Ralph Metzner, da Universidade de Harvard, o psiquiatra húngaro, hoje radicado nos Estados Unidos, Stanislav Grof compõe o triângulo principal da chamada cultura psicodélica dos anos 60 e 70. Fascinado pelos estados de alteração de consciência, ele criou as bases do que se convencionou chamar de psicologia transpessoal. Uma ciência baseada em paradigmas científicos que reconhecem a alma e a relação entre consciência e matéria. Grof acredita que não se pode mais tratar as pessoas como corpos ou mentes. No final de maio, ele esteve em Manaus onde presidiu a 15ª Conferência Internacional de Psicologia Transpessoal e se confessou entusiasmado com o panreligiosismo, a pajelança e os rituais indígenas brasileiros. Nesta entrevista para ISTOÉ conta um pouco de sua história e lembra o primeiro contato com o LSD, então uma droga que se imaginava capaz de provar que a psicose e a esquizofrenia não eram doenças mentais, mas apenas o resultado de alterações químicas.

ISTOÉ - Quais as diferenças entre a psiquiatria convencional e a transpessoal?
Grof - Pessoas que têm um contato direto com a espiritualidade recebem diagnósticos de esquizofrênicos ou psicóticos. A psiquiatria transformou a espiritualidade em algo psicopatológico. Eu não conheço nenhuma religião que não tenha começado com uma experiência visionária dos fundadores, algo que chamaríamos hoje de uma experiência transpessoal. Segundo a psiquiatria, Santa Tereza foi uma histérica, São João da Cruz um esquizofrênico, Maomé um epilético. Eu não estou dizendo que não existem doentes com modificação de consciência que advém de problemas orgânicos. Estou sim falando de experiências onde uma visão de mundo mais ampla chega à consciência. Não como uma distorção de mundo, mas como uma oportunidade de compreender mais sobre o universo e complementar nossa visão.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Além do Materialismo Espiritual - Chögyam Trungpa

De acordo com a tradição budista, o caminho espiritual é o processo de atravessar e superar a nossa confusão, de descobrir o estado desperto da mente. Quando este estado se encontra entulhado pelo ego e pela paranóia que o acompanha, assume o caráter de um instinto subliminar. Dessa forma, não se trata de construir o estado desperto da mente, mas sim de queimar as confusões que o obstruem. No processo de consumir as confusões, descobrimos a iluminação. Se o processo fosse outro, o estado desperto da mente seria um produto dependente de causa e efeito e, assim, passível de.dissolução. Tudo o que é criado, mais cedo ou mais tarde, tem de morrer. Se a iluminação fosse criada dessa maneira, haveria sempre a possibilidade de o ego reafirmar-se, provocando um retomo ao estado de confusão. A iluminação é permanente porque não a produzimos; apenas a descobrimos. Na tradição budista, a analogia do Sol que surge por trás das nuvens é freqüentemente empregada para explicar o descobrimento da iluminação. Na prática da meditação, removemos a confusão do ego a fim de vislumbrar o estado desperto. A ausência da ignorância, da sensação de opressão, da paranóia, descerra uma visão fantástica da vida. Descobrimos um modo diferente de ser.


O cerne da confusão é o fato de o homem ter um senso de ego que lhe parece contínuo e sólido. Quando ocorre um pensamento, uma emoção, ou um evento, há o sentido de que alguém tem consciência do que está acontecendo. Você sente que você está lendo estas palavras. Esse senso do eu, na realidade, é um evento transitório, descontínuo, que em nossa confusão parece perfeitamente estável e contínuo. Como tomamos por real a nossa visão confusa, lutamos para manter e incrementar esse eu sólido. Tentamos alimentá-lo com prazeres e escudá-lo contra a dor. A experiência ameaça continuamente revelar-nos nossa transitoriedade, de modo que lutamos continuamente para encobrir qualquer possibilidade de descoberta da nossa verdadeira condição. "Mas", poderíamos perguntar, "se a nossa verdadeira condição é um estado desperto, por que nos ocupamos tanto em evitar que tomemos consciência disso?" Porque estamos tão imersos em nossa confusa visão do mundo que consideramos real o único mundo possível. Essa luta por manter o senso de um eu sólido e contínuo é obra do ego.

Mente, dualidade, paradoxo, loucura, humildade...


Lá no limite da mente se percebe que ela está presa em uma dualidade que não pode ser ultrapassada, porque essa dualidade é sua própria natureza - seu alcance e seu limite. Quando a dualidade tenta investigar questões fundamentais relacionadas à natureza da existência, fica presa em paradoxos. Os paradoxos quando examinados pela razão, levam até a loucura. E a loucura dá a humildade de reconhecer que a mente é muito limitada pra investigar a natureza fundamental da existência.

Luís Paulo Lopes

A loucura divina - Stanislav Grof

Durante uma emergência espiritual, a mente lógica é, muitas vezes, desviada e os ricos mundos pitorescos da intuição, da inspiração e da imaginação assumem seu lugar. A razão se torna restrita e a verdadeira revelação fica acima do intelecto. Para algumas pessoas, essa incursão nas áreas visionárias pode ser excitante, espontânea e criativa. Mas várias vezes, como isso não envolve os estados da mente considerados normais, muitas pessoas pensam que estão ficando loucas.
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Quando acontece a dissolução da racionalidade como parte do desenvolvimento espiritual, ocorre o desaparecimento de antigas restrições mentais ou mesquinharias, que são às vezes obrigatórias, antes que uma consciência abrangente e uma inspiração intensificada possam tomar seu lugar. O que, na verdade, está desaparecendo não é a capacidade de raciocinar, embora possa parecer que isso aconteça durante um certo tempo, mas as limitações cognitivas que mantêm a pessoa pressionada e imutável.

Enquanto isso estiver ocorrendo, o pensamento linear será às vezes impossível, e a pessoa sentir-se-á mentalmente agitada quando a consciência for bombardeada com o material liberado pelo inconsciente. Emoções estranhas e perturbadoras tornar-se-ão subitamente acessíveis e a racionalidade outrora familiar será inútil para explicar essas ocorrências. Isso poderá ser um momento crítico muito assustador no desenvolvimento espiritual. Porém, se uma pessoa estiver verdadeiramente comprometida com o processo de emersão, isso será passageiro e poderá ser uma fase de transformação muito importante.

Em The Chasm of Fire, Irina Tweedy conta suas sensações de loucura:

A natureza da experiência mística ou transcendental - Stanislav Grof


As emoções ou sensações associadas às áreas divinas internas são comumente o oposto daquelas que uma pessoa pode encontrar nas regiões escuras. Em vez de dor ou alienação, pode-se descobrir uma sensação abrangente de unidade e interconexão com toda a criação. Em vez de medo, a pessoa pode ser possuída por êxtase, paz e por uma profunda sensação de apoio pelo processo cósmico. Em vez de vivenciar a "loucura" e a confusão, encontra um sentimento de lucidez mental e de serenidade. E, em vez de uma preocupação permanente com a morte, pode entrar em contato com um estado em que se sinta eterna, compreendendo que alguém é, de repente, o corpo e tudo o mais que existe. Devido, em parte, à sua natureza inefável e ilimitada, os domínios divinos são mais difíceis de descrever do que as regiões escuras, embora poetas e místicos de todas as épocas tenham criado metáforas para torná-los próximos. Durante alguns estados espirituais, pode-se entender o meio ambiente comum como uma criação gloriosa da energia divina, cheia de mistério; tudo dentro disso parece fazer parte de uma bela trama interligada. O poeta William Blake capta esse conhecimento do "sagrado" iminente:
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Para ver um Mundo num Grão de Areia
E um Céu numa Flor Selvagem,
Segure o Infinito na palma da mão
E a Eternidade numa hora.

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Outras experiências envolvem a revelação de dimensões, das quais não se está consciente na vida diária: elas transcendem o tempo e o espaço e são habitadas por seres celestiais e mitológicos. Essas experiências são freqüentemente acompanhadas por sensações intensas de uma força espiritual que inunda o corpo. As pessoas percebem os domínios místicos sendo permeados por uma essência sagrada ou numinosa e por uma beleza inexplicável, e têm, em geral, visões de jóias preciosas feitas de ouro, brilhantes, com extraordinária radiação, luminescência e luz resplandecente. Em Leaves of Grass, o poeta místico Walt Whitman escreve:
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Experiências próximas à morte - Stanislav Grof

"Então vi toda a minha vida passada aparecendo em muitas imagens, como num palco a uma certa distância de mim. Vi a mim mesmo como a personagem principal da apresentação. Tudo estava transfigurado como que por uma luz divina e tudo era belo, sem desgraça, sem ansiedade e sem dor. A lembrança de experiências muito trágicas que tive foram claras, mas não me entristeceram. Não senti nenhum conflito; o conflito tinha sido transformado em amor. Pensamentos sublimes e harmoniosos dominavam e uniam as imagens individuais, e como uma música magnífica uma calma divina arrebatou minha alma. Fiquei cada vez mais envolvido por um esplêndido céu azul com delicadas nuvenzinhas rosadas e violetas, precipitei-me para dentro disso tudo sem dor e suavemente e vi então que estava caindo livremente e abaixo de mim havia um campo de neve me esperando... Então, ouvi um baque surdo e minha queda chegara ao fim."

Albert Heim descrevendo sua queda quase fatal nos Alpes suíços

A morte é uma das poucas experiências universais da existência humana. É o acontecimento mais previsível em nossa vida e ainda o mais misterioso. Desde tempos imemoráveis, o fato de nossa mortalidade tem sido uma inesgotável fonte de inspiração para artistas e místicos. A idéia da sobrevivência da consciência após a morte e das jornadas póstumas da alma aparecem no folclore, na mitologia e na literatura espiritual de todos os tempos e culturas. Escrituras sagradas especiais têm sido dedicadas à descrição e discussão das experiências associadas com a morte e com o "morrer".

No passado, os cientistas ocidentais ignoraram o que eles chamavam de "mitologia funerária", considerando isso como um produto da fantasia e da imaginação de pessoas primitivas, incapazes de enfrentar e aceitar o fato da própria mortalidade. Essa situação começou a mudar dramaticamente depois que Elisabeth Kübler-Ross atraiu a atenção dos círculos profissionais para a área da morte e do "morrer" e Raymond Moody publicou Life after Life, seu livro mais vendido. O trabalho de Moody foi baseado nos casos de 150 pessoas que tiveram experiências próximas à morte; isso tornou válidas, em especial, as descrições da morte encontradas nos livros tibetanos e egípcios, no Ars Moriendi europeu e em outros guias semelhantes, de outros tempos e culturas, sobre a morte. Torna-se claro que o processo de "morrer" pode ser associado a uma jornada interior extraordinária, nas áreas transpessoais da psique.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Hino da criação - Rigveda


Não havia então não-existência nem existência;
não havia o reino do ar nem o firmamento por trás dele.
O que protegia e onde? E o que dava abrigo?
Estava ali a água, a desmedida profundidade da água?

Não havia morte então, nem havia algo imortal;
não havia sinal ali, o divisor do dia e da noite.
A Massa Unitária, sem vida, vivia por sua própria natureza;
além dela nada mais havia.

O processo criativo


A fronteira que liga esse mundo ao outro é tão tênue que chega a não existir. Estando todos os limites de separação relacionados ao mesmo processo criativo que envolve toda a existência. O próprio ego e a mente são criações Dele. São sob certo aspecto, ilusórios, assim como toda a existência. Dessa forma entende-se que a individualidade e o que costumamos chamar de realidade são apenas identificações da Consciência com seu próprio processo criativo. Quando não há envolvimento Dela consigo própria, pode-se perceber que a existência, em todos os seus níveis, nada mais é do que Minha própria experiência. Toda a diversidade experienciada nesse grande êxtase é exatamente a Unidade que é Minha consciência.

Luís Paulo Lopes

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A Dança Cósmica - Stanislav Grof


Podemos agora tentar resumir os insights dos estados holotrópicos descrevendo a existência como uma aventura experimental fantástica da Consciência Absoluta – uma dança cósmica interminável, uma requintada brincadeira, ou drama divino. Em sua criação, o princípio criativo gera a partir de si mesmo e dentro de si mesmo um número incontável de imagens individuais, unidades fragmentadas de consciência, que assumem vários graus de autonomia e independência relativas. Cada uma delas representa uma oportunidade para uma experiência sem par, um experimento da consciência. Com a paixão de um explorador, de um cientista, de um artista, o princípio criativo realiza todas as experiências concebíveis em suas infindáveis variações e combinações.

Nessa brincadeira cósmica, a Consciência Absoluta encontra a possibilidade de expressar sua riqueza interna, sua abundância, e sua imensa criatividade. Através de suas criações ela experimenta miríades de papéis individuais, encontros, intrincados dramas, e aventuras em todos os níveis imagináveis. Essa peça divina de brincadeiras escalona-se desde as galáxias, sóis, planetas em órbitas, luas passando por plantas, animais, homens, até as moléculas, átomos e partículas nucleares. Dramas adicionais desdobram-se nos reinos arquetípicos e em outras dimensões da existência que não estão disponíveis à nossa percepção, quando em nosso estado de consciência do dia-a-dia.

Em infindáveis ciclos de criação, preservação e destruição a Consciência Absoluta supera os sentimentos de monotonia e tédio transcendentais. A negação temporária e perda de seus estados prístinos alterna com episódios de redescobrimento e recuperação. Os períodos que são cheios de agonia, angústia e desespero são seguidos por episódios de bem-aventurança e enlevo extático. Quando a consciência individual indiferenciada é recuperada depois de ser temporariamente perdida, ela é experimentada como excitante, surpreendente, fresca e nova. A existência da agonia dá uma nova dimensão à experiência do êxtase, o conhecimento da escuridão realça a apreciação da luz, e a extensão da iluminação é diretamente proporcional à profundidade da ignorância prévia. Mais que isso, com cada incursão nos mundos fenomenológicos seguido pelo retorno, a Mente Universal é enriquecida pelas experiências dos diferentes papéis envolvidos. Pela concretização de mais uma parte de seu potencial interno, ela aumenta e aprofunda seu auto conhecimento.

Problemas criados por experiências místicas ou transcendentais - Stanislav Grof


Apesar das qualidades geralmente benevolentes dos estados positivos, há duas áreas de dificuldades que podem surgir quando as pessoas têm experiências místicas: dificuldade para aceitar ou lidar com as áreas transcendentais, e problemas quando as experiências se relacionam com o meio ambiente. Além disso, muitas vezes essas áreas se confundem.

Problemas interiores

Muita gente se sente despreparada para as diretrizes das esferas sagradas. Estes são fatos e estados mentais desconhecidos, que permitem às pessoas penetrar na própria consciência, o que geralmente significa abandonar os conceitos já conhecidos sobre a realidade. Elas também podem sentir que não são suficientemente fortes para suportar o profundo impacto das manifestações físicas e sensoriais de experiências místicas, ou que não estão suficientemente abertas para manipular o seu poder. O professor espiritualista americano Ram Dass compara essas pessoas a uma "torradeira", e sua reação a "ligar o seu plugue em 220 volts em vez de 110, enquanto tudo torra". Recebendo esse enorme insumo físico, mental, emocional e espiritual, elas podem se sentir dominadas e uma reação natural talvez seja a de recuar.Uma resposta semelhante pode ocorrer durante uma forte experiência de luminosidade. Às vezes as pessoas sentem que sua visão está bastante fraca ou demasiado obscurecida para lidar com a intensidade da luz ofuscante com medo de ficar literalmente cegas se permitirem que a experiência prossiga.

domingo, 3 de agosto de 2008

Auto-Realização e Distúrbios Psicológicos - Roberto Assagioli

O desenvolvimento espiritual é uma longa e árdua jornada, uma aventura por estranhas terras plenas de surpresas, de alegrias e de beleza, de dificuldades e até de perigos. Envolve o despertar de potencialidades até então adormecidas, a elevação da consciência a novos domínios, uma drástica transmutação dos elementos "normais" da personalidade e um funcionamento no âmbito de uma nova dimensão interior. Uso o termo "espiritual" em sua conotação mais ampla e sempre com referência à experiência humana empiricamente observável. Nesse sentido, "espiritual" remete não somente a experiências tradicionalmente consideradas religiosas, como também a todos os estados de consciência e a todas as funções e atividades humanas que têm como denominador comum a posse de valores superiores aos comuns-valores éticos, estéticos, heróicos, humanitários e altruístas. Na psicossíntese, entendemos essas experiências de valores superiores como produtos dos níveis supraconscientes do ser humano. Pode-se conceber o supraconsciente como a contraparte superior do inconsciente inferior tão bem mapeado por Freud e por seus sucessores. Agindo como o centro unificador do supraconsciente e da vida do indivíduo como um todo, temos o Eu Transpessoal ou Superior. Logo, as experiências espirituais podem limitar-se aos domínios supraconscientes ou incluir a percepção consciente do Eu. Essa percepção torna-se aos poucos Auto-Realização - a identificação do "eu" com o Eu Transpessoal. Na discussão seguinte, farei considerações acerca dos vários estágios do desenvolvimento espiritual, incluindo o atingimento da realização do Eu. Não deveríamos nos surpreender ao sabermos que uma transformação tão fundamental é marcada por vários estágios críticos que podem ser acompanhados por inúmeros distúrbios mentais, emocionais e até físicos. À observação objetiva e clínica do terapeuta, esses elementos podem parecer os mesmos decorrentes de causas mais comuns. Na realidade, contudo, eles têm um significado e uma função bem distintos, precisando ser tratados de maneira bem diferente. A incidência de distúrbios de origem espiritual cresce rapidamente hoje acompanhando de perto o número crescente de pessoas que, consciente ou inconscientemente, abrem o seu próprio caminho para uma vida mais plena. Além disso, o maior desenvolvimento e complexidade da personalidade do homem de nossos dias e a sua mente cada vez mais crítica tornaram o desenvolvimento espiritual um processo mais rico e compensador, mas, ao mesmo tempo, mais difícil e complicado. No passado, uma conversão moral, uma simples devoção sincera a um mestre ou salvador, uma amorosa entrega a Deus costumavam ser suficientes para abrir as portas para um nível superior de consciência e para um sentido de união e de realização interiores. Agora, entretanto, os aspectos mais variados e complexos da personalidade do homem moderno estão envolvidos no processo e requerem uma transmutação e uma harmonização entre si: seus impulsos fundamentais, suas emoções e sentimentos, sua imaginação criadora, sua mente inquisitiva, sua vontade afirmativa, bem como suas relações sociais e interpessoais. Por essas razões, é útil fazer uma descrição geral dos distúrbios passíveis de surgir nos vários estágios do desenvolvimento espiritual, assim como dar algumas indicações sobre como tratar melhor deles. Podemos reconhecer nesse processo quatro estágios, ou fases, críticos: Crises que precedem o despertar espiritual, Crises causadas pelo despertar espiritual, Reações que seguem o despertar espiritual, e Fases do processo de transmutação. Usei o termo simbólico “despertar” porque ele sugere com clareza a tomada de consciência de uma nova área da experiência, a abertura dos olhos até então fechados para uma realidade interior antes desconhecida.

Existência: o êxtase da consciência


O êxtase revelou a si próprio como sendo a existência.. Toda a realidade não passa de um êxtase da Consciência. No tempo cósmico se percebe eras aprisionadas em instantes. Entende-se que a dualidade é apenas um ciclo de estados do grande êxtase da Consciência cósmica.
Vaguei durante o sempre no paradoxo do infinito, que resolvia a si mesmo infinitamente. Como uma caixa que se abre fechando em outra. Quando a questão é resolvida a caixa se abre. Um entendimento que precisaria de toda uma vida pra ser alcançado se revela em um insight. O vislumbre do entendimento se transforma em desespero quando se percebe que a caixa está novamente fechada, e que o insight anterior abriu de novo a mesma questão. Até que, quase imediatamente, vem outro insight e vislumbra-se a compreensão da mesma questão sob uma nova ótica. Até perceber que a caixa está fechada novamente e a mesma questão está aberta.
Assim se forma um ciclo, onde o vislumbre pela compreensão de infinitos insights da mesma questão é alternado por desespero e confusão, por se ver preso em um paradoxo infinito, onde é impossível se chegar à solução, pois qualquer resposta abre de novo a questão.
Talvez o único fim seja a plena aceitação de que não existe o fim. Quando não se tem a ambição de desvelar a totalidade do mistério, e que ele sempre existirá fluindo no eterno processo de criação.

Luís Paulo Lopes