É preciso começar vendo a realidade de duhkha, palavra sânscrita que significa "sofrimento", "insatisfação" ou "dor". Ocorre a insatisfação porque a mente gira de tal maneira que o seu movimento parece não ter princípio nem fim. Os processos do pensamento continuam indefinidamente: pensamentos do passado, pensamentos do futuro, pensamentos do presente. Isso gera irritação. Os pensamentos estimulados pela insatisfação são também idênticos a ela, duhkha, a sensação constantemente repetida de que alguma coisa está faltando, está incompleta em nossa vida. Seja como for, alguma coisa não está bem certa, não o bastante. Vivemos tentando preencher a lacuna, endireitar as coisas, encontrar aquela pontazinha extra de prazer ou segurança. A contínua ação da luta e da azáfama é exasperante e dolorosa. Finalmente, começa a irritar-nos o simples fato de sermos quem somos, de sermos "nós".
Desse modo, compreender a verdade de duhkha é realmente compreender a neurose da mente. Somos impelidos para cá e para lá com muita energia. Quer comamos, quer durmamos, quer trabalhemos, quer joguemos, seja o que for que façamos, a vida contém duhkha, insatisfação, dor. Se nos agrada o prazer, receamos perdê-lo; esforçamo-nos por lograr mais e mais prazer ou tentamos retê-lo. Se sofremos dor, desejamos fugir dela. Experimentamos insatisfação o tempo todo. Todas as atividades encerram insatisfação ou dor, continuamente.
Seja como for, modelamos a vida de um modo que nunca nos dá tempo de provar-lhe o sabor. Há um contínuo estar ocupado, uma contínua busca do momento seguinte, uma contínua característica gananciosa de viver. Isso é duhkha, a Primeira Nobre Verdade. Compreender e enfrentar o sofrimento é o primeiro passo.
Tendo-nos tornado agudamente cônscios da nossa insatisfação, começamos a buscar uma razão para ela, a sua origem. Examinando nossos pensamentos e ações descobrimos que estamos sempre lutando para nos manter e destacar. Compreendemos que a luta é a raiz do sofrimento. Então, procuramos compreender o processo da luta: isto é, como o ego se desenvolve e opera. Esta é a Segunda Nobre Verdade, a verdade da origem do sofrimento.
Como já discutimos nos capítulos que versam sobre materialismo espiritual, muitas pessoas cometem o erro de supor que, por ser o ego a raiz do sofrimento, a meta da espiritualidade consiste em vencê-lo e destruí-lo. Elas se esforçam para eliminar a pesada mão opressiva do ego mas, como descobrimos antes, essa luta é apenas outra expressão dele. Giramos e giramos, tentando aprimorar-nos através da luta, até compreendermos que o problema reside na própria ambição de aprimorar-nos. O entendimento somente surge quando há brechas em nossa luta, quando paramos de tentar nos livrar do pensamento, quando deixamos de tomar o partido dos pensamentos bons e piedosos contra os pensamentos maus e impuros, quando nos permitimos simplesmente ver a natureza do pensamento.
Começamos a compreender que existe uma qualidade sã, desperta, dentro de nós, que, de fato, só se manifesta na ausência da luta. Assim, descobrimos a Terceira Nobre Verdade, a verdade da meta: isto é, a da não-luta. Basta-nos abandonar o esforço por garantir-nos e solidificar-nos para que apareça o estado desperto. Logo, porém, percebemos que o "deixar estar" só é possível em curtos períodos. Precisamos de alguma disciplina para levar-nos ao "deixar ser". Precisamos palmilhar um caminho espiritual. O ego deve gastar-se como um sapato velho, caminhando do sofrimento para a libertação.
Examinemos, portanto, o caminho espiritual, a prática da meditação, a Quarta Nobre Verdade. A prática da meditação não é uma tentativa de entrar num estado mental semelhante a um transe, nem uma tentativa de ocupar-nos com determinado objeto. Desenvolveu-se, tanto na Índia quando no Tibete, um assim chamado sistema de meditação, que pode denominar-se "concentração", ou seja, ele tem por base a focalização da atenção num ponto determinado, de modo que nos tornemos mais capazes de controlar a mente e concentrar-nos. Nessa prática, o discípulo escolhe um objeto para contemplar, pensar ou visualizar e depois focaliza nele toda a sua atenção. Ao fazê-lo, tende a desenvolver, por força, certa espécie de calma mental. Chamo a esse tipo de prática "ginástica mental", porque não tenta lidar com a totalidade de nenhuma situação de vida. Funda-se inteiramente nisso ou naquilo, sujeito e objeto, em vez de transcender a visão dualista da vida.
A prática do samadhi, por outro lado, não supõe concentração, o que é muito importante compreender. As práticas de concentração são principalmente reforçadoras do ego, se bem que, intencionalmente, não seja este o seu objetivo. Ainda assim, pratica-se a concentração com um alvo específico e um objetivo preconcebido, de modo que tendemos a centralizar-nos no "coração". Planejamos concentrar-nos numa flor, numa pedra ou numa chama e fixamos o olhar no objeto mas, mentalmente, penetramos o máximo possível no coração. Estamos tentando intensificar o aspecto sólido da forma, as qualidades de estabilidade e quietude. A longo prazo, esse tipo de prática pode revelar-se perigoso. Segundo a intensidade da sua força de vontade, o meditador pode tornar-se introvertido de modo demasiado solene, fixo e rígido. Essa espécie de prática não conduz à abertura, nem à energia, nem ao senso de humor. É pesada demais, e pode facilmente tornar-se dogmática, uma vez que aqueles que se envolvem em tais práticas pensam em termos de impor disciplina a si próprios. Achamos necessário ser muito sérios e solenes, o que imprime uma atitude competitiva ao nosso modo de pensar — quanto mais cativa tornarmos a mente, tanto mais bem-sucedidos seremos — o que representa um enfoque dogmático, autoritário. Essa maneira de pensar, sempre focalizada no futuro, é habitual ao ego: "Eu gostaria de ver tais e tais resultados. Tenho uma teoria idealizada, ou sonho, que gostaria de pôr em prática." Tendemos a viver no futuro, com a nossa visão da vida colorida pela expectativa de alcançar uma meta ideal. Por causa dessa expectativa perdemos a precisão, a abertura e a inteligência do presente. Somos fascinados, cegos e dominados pelo objetivo idealizado.
A qualidade competitiva do ego pode ser prontamente vista no mundo materialista em que vivemos. Se quisermos tornar-nos milionários, temos de tentar primeiro tornar-nos milionários psicologicamente. Começamos criando uma imagem de nós mesmos como milionários e depois trabalhamos com muito empenho no sentido do objetivo. Empurramo-nos nessa direção, independentemente de sermos ou não capazes de atingi-lo. Esse enfoque cria uma espécie de venda, que nos torna cegos, insensíveis ao momento presente, porque estamos vivendo demais no futuro. Podemos adotar o mesmo enfoque errôneo da prática da meditação.
Visto que a verdadeira prática da meditação é um modo de sair do ego, o primeiro ponto consiste em não focalizarmos demasiado a futura chegada ao estado desperto da mente. Toda a prática da meditação se baseia essencialmente na situação do momento presente, aqui e agora, e significa trabalhar com essa situação, com esse atual estado da mente. Qualquer prática de meditação que diga respeito à superação do ego está focalizada no momento presente. Eis por que é um modo de viver muito eficaz. Se estivermos completamente cônscios do nosso atual estado de ser e da situação à nossa volta, coisa alguma poderá nos escapar. Podemos usar várias técnicas de meditação para facilitar esse tipo de consciência, mas tais técnicas são simplesmente um modo de sair do ego. A técnica é como um brinquedo dado a uma criança. Quando a criança cresce, o brinquedo é posto de lado. Entretanto, a técnica se faz necessária para desenvolvermos a paciência e abstermo-nos de sonhar com a "experiência espiritual". Toda a nossa prática deve basear-se na relação entre nós e o estado de agora.
Não precisamos nos empurrar para a prática da meditação, mas apenas deixar as coisas como estão. Se praticarmos dessa maneira, surgirá automaticamente uma sensação de espaço e arejamento, expressão da natureza do Buda ou da inteligência básica que abre caminho através da confusão. Iniciamos, então, o entendimento da "verdade do caminho", a Quarta Nobre Verdade, a simplicidade, tal como a consciência do andar. Primeiro temos a consciência de que estamos em pé, depois nos conscientizamos de que a nossa perna direita está-se levantando, avançando, tocando, pressionando; em seguida, a perna esquerda se levanta, avança, toca, pressiona. Há um sem-número de minúcias da ação envolvidas na simplicidade e na agudeza de estarmos neste mesmo momento, aqui, agora.
E o mesmo acontece com a prática da consciência do respirar. Nós nos tornamos conscientes do ar que nos penetra as narinas, que sai e que, finalmente, se dissolve na atmosfera. É um processo muito gradual e pormenorizado e há uma aguda precisão em sua simplicidade. Quando um ato é simples, começamos a compreender-lhe a exatidão. Começamos a perceber que, seja o que for que façamos na vida diária, é belo e significativo.
Desse modo, compreender a verdade de duhkha é realmente compreender a neurose da mente. Somos impelidos para cá e para lá com muita energia. Quer comamos, quer durmamos, quer trabalhemos, quer joguemos, seja o que for que façamos, a vida contém duhkha, insatisfação, dor. Se nos agrada o prazer, receamos perdê-lo; esforçamo-nos por lograr mais e mais prazer ou tentamos retê-lo. Se sofremos dor, desejamos fugir dela. Experimentamos insatisfação o tempo todo. Todas as atividades encerram insatisfação ou dor, continuamente.
Seja como for, modelamos a vida de um modo que nunca nos dá tempo de provar-lhe o sabor. Há um contínuo estar ocupado, uma contínua busca do momento seguinte, uma contínua característica gananciosa de viver. Isso é duhkha, a Primeira Nobre Verdade. Compreender e enfrentar o sofrimento é o primeiro passo.
Tendo-nos tornado agudamente cônscios da nossa insatisfação, começamos a buscar uma razão para ela, a sua origem. Examinando nossos pensamentos e ações descobrimos que estamos sempre lutando para nos manter e destacar. Compreendemos que a luta é a raiz do sofrimento. Então, procuramos compreender o processo da luta: isto é, como o ego se desenvolve e opera. Esta é a Segunda Nobre Verdade, a verdade da origem do sofrimento.
Como já discutimos nos capítulos que versam sobre materialismo espiritual, muitas pessoas cometem o erro de supor que, por ser o ego a raiz do sofrimento, a meta da espiritualidade consiste em vencê-lo e destruí-lo. Elas se esforçam para eliminar a pesada mão opressiva do ego mas, como descobrimos antes, essa luta é apenas outra expressão dele. Giramos e giramos, tentando aprimorar-nos através da luta, até compreendermos que o problema reside na própria ambição de aprimorar-nos. O entendimento somente surge quando há brechas em nossa luta, quando paramos de tentar nos livrar do pensamento, quando deixamos de tomar o partido dos pensamentos bons e piedosos contra os pensamentos maus e impuros, quando nos permitimos simplesmente ver a natureza do pensamento.
Começamos a compreender que existe uma qualidade sã, desperta, dentro de nós, que, de fato, só se manifesta na ausência da luta. Assim, descobrimos a Terceira Nobre Verdade, a verdade da meta: isto é, a da não-luta. Basta-nos abandonar o esforço por garantir-nos e solidificar-nos para que apareça o estado desperto. Logo, porém, percebemos que o "deixar estar" só é possível em curtos períodos. Precisamos de alguma disciplina para levar-nos ao "deixar ser". Precisamos palmilhar um caminho espiritual. O ego deve gastar-se como um sapato velho, caminhando do sofrimento para a libertação.
Examinemos, portanto, o caminho espiritual, a prática da meditação, a Quarta Nobre Verdade. A prática da meditação não é uma tentativa de entrar num estado mental semelhante a um transe, nem uma tentativa de ocupar-nos com determinado objeto. Desenvolveu-se, tanto na Índia quando no Tibete, um assim chamado sistema de meditação, que pode denominar-se "concentração", ou seja, ele tem por base a focalização da atenção num ponto determinado, de modo que nos tornemos mais capazes de controlar a mente e concentrar-nos. Nessa prática, o discípulo escolhe um objeto para contemplar, pensar ou visualizar e depois focaliza nele toda a sua atenção. Ao fazê-lo, tende a desenvolver, por força, certa espécie de calma mental. Chamo a esse tipo de prática "ginástica mental", porque não tenta lidar com a totalidade de nenhuma situação de vida. Funda-se inteiramente nisso ou naquilo, sujeito e objeto, em vez de transcender a visão dualista da vida.
A prática do samadhi, por outro lado, não supõe concentração, o que é muito importante compreender. As práticas de concentração são principalmente reforçadoras do ego, se bem que, intencionalmente, não seja este o seu objetivo. Ainda assim, pratica-se a concentração com um alvo específico e um objetivo preconcebido, de modo que tendemos a centralizar-nos no "coração". Planejamos concentrar-nos numa flor, numa pedra ou numa chama e fixamos o olhar no objeto mas, mentalmente, penetramos o máximo possível no coração. Estamos tentando intensificar o aspecto sólido da forma, as qualidades de estabilidade e quietude. A longo prazo, esse tipo de prática pode revelar-se perigoso. Segundo a intensidade da sua força de vontade, o meditador pode tornar-se introvertido de modo demasiado solene, fixo e rígido. Essa espécie de prática não conduz à abertura, nem à energia, nem ao senso de humor. É pesada demais, e pode facilmente tornar-se dogmática, uma vez que aqueles que se envolvem em tais práticas pensam em termos de impor disciplina a si próprios. Achamos necessário ser muito sérios e solenes, o que imprime uma atitude competitiva ao nosso modo de pensar — quanto mais cativa tornarmos a mente, tanto mais bem-sucedidos seremos — o que representa um enfoque dogmático, autoritário. Essa maneira de pensar, sempre focalizada no futuro, é habitual ao ego: "Eu gostaria de ver tais e tais resultados. Tenho uma teoria idealizada, ou sonho, que gostaria de pôr em prática." Tendemos a viver no futuro, com a nossa visão da vida colorida pela expectativa de alcançar uma meta ideal. Por causa dessa expectativa perdemos a precisão, a abertura e a inteligência do presente. Somos fascinados, cegos e dominados pelo objetivo idealizado.
A qualidade competitiva do ego pode ser prontamente vista no mundo materialista em que vivemos. Se quisermos tornar-nos milionários, temos de tentar primeiro tornar-nos milionários psicologicamente. Começamos criando uma imagem de nós mesmos como milionários e depois trabalhamos com muito empenho no sentido do objetivo. Empurramo-nos nessa direção, independentemente de sermos ou não capazes de atingi-lo. Esse enfoque cria uma espécie de venda, que nos torna cegos, insensíveis ao momento presente, porque estamos vivendo demais no futuro. Podemos adotar o mesmo enfoque errôneo da prática da meditação.
Visto que a verdadeira prática da meditação é um modo de sair do ego, o primeiro ponto consiste em não focalizarmos demasiado a futura chegada ao estado desperto da mente. Toda a prática da meditação se baseia essencialmente na situação do momento presente, aqui e agora, e significa trabalhar com essa situação, com esse atual estado da mente. Qualquer prática de meditação que diga respeito à superação do ego está focalizada no momento presente. Eis por que é um modo de viver muito eficaz. Se estivermos completamente cônscios do nosso atual estado de ser e da situação à nossa volta, coisa alguma poderá nos escapar. Podemos usar várias técnicas de meditação para facilitar esse tipo de consciência, mas tais técnicas são simplesmente um modo de sair do ego. A técnica é como um brinquedo dado a uma criança. Quando a criança cresce, o brinquedo é posto de lado. Entretanto, a técnica se faz necessária para desenvolvermos a paciência e abstermo-nos de sonhar com a "experiência espiritual". Toda a nossa prática deve basear-se na relação entre nós e o estado de agora.
Não precisamos nos empurrar para a prática da meditação, mas apenas deixar as coisas como estão. Se praticarmos dessa maneira, surgirá automaticamente uma sensação de espaço e arejamento, expressão da natureza do Buda ou da inteligência básica que abre caminho através da confusão. Iniciamos, então, o entendimento da "verdade do caminho", a Quarta Nobre Verdade, a simplicidade, tal como a consciência do andar. Primeiro temos a consciência de que estamos em pé, depois nos conscientizamos de que a nossa perna direita está-se levantando, avançando, tocando, pressionando; em seguida, a perna esquerda se levanta, avança, toca, pressiona. Há um sem-número de minúcias da ação envolvidas na simplicidade e na agudeza de estarmos neste mesmo momento, aqui, agora.
E o mesmo acontece com a prática da consciência do respirar. Nós nos tornamos conscientes do ar que nos penetra as narinas, que sai e que, finalmente, se dissolve na atmosfera. É um processo muito gradual e pormenorizado e há uma aguda precisão em sua simplicidade. Quando um ato é simples, começamos a compreender-lhe a exatidão. Começamos a perceber que, seja o que for que façamos na vida diária, é belo e significativo.
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