segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Dissolução do eu na totalidade - Luis Paulo Lopes


Dissolução do eu na totalidade.

Luis Paulo B. Lopes

Uma grande dificuldade de falar sobre experiências enteogências é a limitação da linguagem pra exprimi-las. Ao assumir o desafio de escrever sobre elas, devo estar consciente de que nem de longe conseguirei alcança-la com minhas palavras. Além disso, sei também de que a linguagem que utilizarei será melhor assimilada por aqueles que tem alguma experiência com os enteógenos, pois as palavras poderão remeter às lembranças de suas próprias experiências. Entretanto, meu objetivo é falar a todos os interessados pelo assunto, independentemente se já tiveram ou não experiências da natureza que tentarei descrever. Àqueles que nunca exploraram as profundezas de seu Ser pelo viés da experiência enteogênica, fica aqui uma tentativa de demonstrar o indemonstrável. O que escrevo nas linhas que seguem não é, de maneira nenhuma, uma tentativa de oferecer um panorama definitivo sobre a experiência de morte do eu, é antes de tudo, uma forma particular de descrever algo que vivi. Portanto não tenho a pretensão de definir uma verdade, se é que isso é possível, mas apenas de falar livremente. 

A morte simbólica do eu, onde transcende-se os limites da personalidade, é uma experiência de grande intensidade, onde somente a entrega pode garantir uma morte tranquila. Quando o eu, na eminência de morte, tenta se agarrar em sua identidade, a experiencia pode assumir um aspecto terrificante, onde é comum a vivência da loucura ou de medo extremo por exemplo. Essa experiência de luta contra a morte poderia sem classificada como uma espécie de inferno consciencial. Mas se ao invés da luta, o navegante se entrega à morte com confiança, a passagem é feita de maneira tranquila e vive-se uma experiencia paradoxal onde o eu identifica-se com a totalidade. A parte vê a si mesma como sendo o todo sem deixar de saber que é parte. Os limites de identidade do eu se dissolvem e o individuo se transforma na totalidade. Nesse momento não existe mais um individuo vivendo uma experiência, ao invés disso, o indivíduo torna-se a própria experiência. A natureza paradoxal desse tipo de experiência faz com que seja ainda mais difícil falar sobre ela, a linguagem pode se ver presa em aparentes contradições que apenas se resolveriam com a vivência da experiência como suporte de compreensão.

Vicissitudes dos rituais enteogênicos coletivos contemporâneos - Luis Paulo Lopes



Vicissitudes dos rituais enteogênicos coletivos contemporâneos. 


Luis Paulo B. Lopes

Rituais onde utilizam-se enteógenos, sejam de origem animal ou vegetal, são práticas milenares. Há registros de tais rituais nas mais diversas culturas ao redor do mundo. Para compreender aspectos psicológicos, sociais e espirituais envolvidos nos rituais de tais culturas, seria necessário um olhar tendo a própria cultura em questão como referência, para que não se chegue em conclusões de cunho etnocêntrico. Certamente não é de minha competência empreender tal reflexão, portanto ocupo-me com aquilo que faz parte de minha experiência, os rituais coletivos contemporâneos. É importante considerar que o ritual coletivo envolve uma série de aspectos importantes implicados no desenvolvimento espiritual dos indivíduos que deles participam. No entanto, meu objetivo nesse momento é refletir sobre algumas vicissitudes que podem estar envolvidas nessas situações. Afim de que essas reflexões possam ser úteis, de alguma forma, para as próprias instituições que regem os rituais e seus participantes. Tenho consciência de que não serei capaz de abarcar a totalidade de possibilidades envolvidas em tais situações. Mas considero válida a tentativa presente de enumerar alguns pontos envolvidos na situação paradoxal em que uma experiência potencialmente integradora pode também se tornar um entrave no processo de individuação, seja por questões que envolvem o coletivo, seja por questões que envolvem o indivíduo. As questões que apresentarei são fenômenos humanos, e é natural que se manifestem também nos grupos que utilizam enteógenos em seus rituais. Portanto, não tenho como objetivo apontar defeitos ou falhas, mas apenas refletir sobre essas questões.

Certamente a experiência enteogênica tem um grande potencial transformador, na medida em que o indivíduo conscientiza-se, através da experiência, de aspectos de si próprio que antes estavam obscurecidos. Além disso, é interessante ressaltar que o entendimento geralmente existente nos grupos onde são realizados rituais, de que os aspectos transpessoais manifestados no indivíduo são de origem sagrada, é um importante fator facilitador da individuação. Nas palavras de E. F. Edinger: