segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Unificação interior - C. G. Jung


Esse casamento seria a unificação dos componentes separados da personalidade que serveria de contra-peso à dicotomia crescente, ou seja, a dissolução psíquica do homem massificado.

No entanto, é da maior importância que esse processo se realize conscientemente, pois, caso contrário, as consequências psíquicas da massificação se intalariam inevitavelmente. Se a afirmação interior do indivíduo não se realizar conscientemente, ela se dará espontâneamente através do fenômeno que todos conhecemos do endurecimento inimaginável do homem massificado em relação ao seu semelhante. Ele se transforma num animal gregário e desprovido de alma, apenas regido pelo pânico e pela cobiça. Sua alma se perde, uma vez que esta só vive da relação humana. A realização consciente da unificação interior é inseparável da relação humana, que é uma condição indispensável, pois sem um vínculo com o próximo, reconhecido e aceito conscientemente, a síntese da personalidade simplesmente não se faz. De fato, essa realidade em que se realiza a unificação interior, nada tem de pessoal nem pertence ao ego. Ela lhe é hierarquicamente superior, pois como Si-Mesmo, representa uma síntese do eu com o inconsciente suprapessoal. O fortalecimento interior do indivíduo nada, absolutamente nada tem a ver com uma forma em nível superior do endurecimento do homem massificado, nem com uma atitude de isolamento espiritual e de inacessibilidade, por exemplo. Muito pelo contrário, ele inclui o próximo.

Retirado de: Ab-reação, análise dos sonhos, transferência. De C.G. Jung

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O significado metafórico da alquimia para Jung - Vitor P.Calixto dos Santos


Trecho do Artigo JUNG E A METÁFORA ALQUÍMICA, publicado em Symbolom - estudos Junguianos. Do autor: Vitor P.Calixto dos Santos

O significado metafórico da alquimia para Jung poderia ser visto nesta suas palavras:

"O problema central da psicologia é a integração dos opostos. Isto é encontrado em todo lugar e todos os níveis. Em Psicologia e Alquimia (Obras 12) ocupei-me da integração de Satanás.[...] Isto se realiza por meio de um processo simbólico muito complicado que coincide a grosso modo com o processo psicológico da individuação. Em alquimia este processo se chama conjunção de dois princípios.[...] As operações alquímicas eram reais, somente que a sua realidade não era física, mas sim psicológica. A alquimia representa a projeção em laboratório de uma drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico.[...]

Na linguagem dos alquimistas a matéria sofre até que a nigredo desapareça; então a cauda do pavão ( cauda pavonis) anunciará a aurora e surgirá um novo dia, a leúkosis ou albedo. Mas neste estado de brancura não existe verdadeira vida, é um estado abstrato, ideal. Para infundir-lhe vida é preciso infundir-lhe "o sangue", a rubedo, o vermelho da vida. Somente a experiência de todos os estágios do ser pode transformar o estado ideal da albedo em uma forma de existência plenamente humana. Somente o sangue pode vivificar o estado de consciência mais alto, no qual é dissolvida o último traço de negrume, no qual o demônio não tem mais existência autônoma mas é integrado reconstituindo a profunda unidade da psique. Então a opus magnum está completa: a alma humana está completamente integrada"(10).

sábado, 22 de maio de 2010

O desenvolvimento da personalidade - C.G. Jung


por C.G. Jung

A personalidade se desenvolve no decorrer da vida, a partir de germes, cuja interpretação é difícil ou até impossível; somente pela nossa ação é que se torna manifesto quem somos de verdade. Somos como o Sol que alimenta a Terra e produz tudo o que há de belo, de estranho e de mau; somos também como as mães que carregam no seio a felicidade desconhecida e o sofrimento. De início não sabemos o que está contido em nós, que feitos sublimes ou que crimes, que espécie de bem ou mal. Somente o outono revela o que a primavera produziu, e somente a tarde manifesta o que a manhã iniciou.
A personalidade, no sentido da realização total de nosso ser, é um ideal inatingível. O fato de não ser atingível não é uma razão a se opor a um ideal, pois os ideais são apenas os indicadores do caminho e não as metas visadas.
(...)

Enfim, o que impulsiona a alguém a escolher seu próprio caminho, e a elevar-se como uma camada de nevoeiro acima da identidade com a massa humana? Não pode ser a necessidade, pois esta atinge a muitos e todos estes se salvam pelas convenções (sociais). A decisão moral também não pode ser, pois geralmente todos se decidem pela convenção. O que, pois, dá o último impulso a favor de algo fora do comum?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Os Três Senhores do Ego - Chögyam Trungpa


Uma metáfora interessante usada no Budismo Tibetano para descrever o funcionamento do ego é a dos "Três Senhores do Materialismo": o "Senhor da Forma", o "Senhor da Palavra" e o "Senhor da Mente". Na apreciação que se segue dos Três Senhores , as palavras "materialismo e "neurótico" referem-se à acção do ego.

O Senhor da Forma refere-se à procura neurótica de conforto físico, segurança e prazer. A tecnológica e altamente organizada sociedade em que vivemos reflecte a nossa preocupação em manipular o que fisicamente nos rodeia, de modo a proteger-nos contra as irritações dos brutais, inconstantes e imprevisíveis aspectos da vida. Elevadores automáticos, carne pré-embalada, ar condicionado, autoclismos, funerais privados, contas poupança-reforma, produção em massa, satélites meteorológicos, retroescavadoras, luz fluorescente, empregos das-nove-às-seis, televisão - tudo tentativas para criar um mundo manobrável, seguro, previsível e agradável.

O Senhor da Forma não designa as situações de vida, fisicamente ricas e seguras, que criamos per se. Refere-se mais à preocupação neurótica que nos leva a criá-las, a tentar controlar a natureza. É ambição do ego sentir-se alegre e seguro, tentando evitar qualquer fonte de irritação. Por isso, agarramo-nos aos nossos prazeres e pertences, tememos a mudança ou forçamo-la, tentamos criar um recreio ou um abrigo.


O Senhor da Palavra refere-se ao uso do intelecto em relação ao nosso mundo. Adoptamos conjuntos de categorias que depois usamos como utensílios, como modos de lidar com os fenómenos. Os produtos mais desenvolvidos desta tendência são as ideologias, os sistemas de ideias que racionalizam, justificam e glorificam as nossas vidas. Nacionalismo, comunismo, existencialismo, Cristianismo, Budismo - todos nos fornecem identidades, regras de conduta e interpretações de como e porquê as coisas acontecem e são o que são.

domingo, 25 de abril de 2010

Sombra e Alquimia - Vera Lucia Paes de Almeida


SOMBRA E ALQUIMIA
Vera Lucia Paes de Almeida
Texto publicado na Revista Hermes, vol. 8, nov. 2003.

Origens da Alquimia:

A Alquimia começou no Ocidente aproximadamente por volta do séc. I a.C. apresentando um declínio gradual após a queda do Império Romano até o séc. X. Durante este período ela floresceu no Império Bizantino e nos diferentes países árabes. Com as cruzadas e a invasão muçulmana na Península Ibérica ela retornou à Europa no séc. XI, unindo-se à Filosofia Escolástica e tendo seu apogeu na Idade Média. No séc. XVII desapareceu definitivamente sendo eclipsada pelo Iluminismo. Parte de seu conhecimento evoluiu para a Química e seu aspecto filosófico e religioso só foi resgatado no séc. XX por C. G. Jung. Ele reconheceu que os tratados alquímicos continham uma linguagem simbólica e falavam do processo de individuação, ou seja, a transformação da personalidade em busca da totalidade. A transmutação dos metais comuns em metais nobres, a busca da pedra filosofal, era o equivalente à busca de integração e conscientizaçã o do centro da personalidade, o Self (Franz, 1998:7).

Alquimia e Cristianismo:
A Alquimia nunca foi hostil aos movimentos religiosos dominantes mas formava uma espécie de tendência subterrânea compensatória.

“O esforço da Alquimia visa a preencher as lacunas deixadas pela tensão dos opostos no Cristianismo.” (Jung, 1994: par. 26)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Êxtase de Ramakrishna


...O sofrimento me dilacerava. Ao pensar que não teria na vida a graça desta visão divina, fui tomado de uma ansiedade terrível. Pensei: se isto deve ser assim, estou farto desta vida!... A grande espada estava pendurada no santuário de Kali. Meu olhar caiu sobre ela e um clarão atravessou-me a mente. - Ela!... Ela me ajudará a pôr fim... Precipitei-me em direção à espada. Segurei-a como um louco... E eis que a sala, com todas as suas portas e janelas, o templo, tudo desapareceu da minha vista. Parecia-me que nada mais existia. Em lugar disto, enxerguei um oceano do espírito, sem limites, resplandecente. Para qualquer ponto que voltasse os olhos, por mais longe que fosse, avistava as vagas enormes deste oceano brilhante. As ondas precipitavam-se furiosamente sobre mim, com um ruído medonho, como se fossem me engolir. Num instante estavam em cima de mim, arrebentaram, engoliram-me. Enrolado por elas, perdi a respiração. Perdi a consciência e caí no chão... Não sei como passei aquele dia e o seguinte. Dentro de mim rolava um oceano de alegria inefável. E até o fundo tinha consciência da presença da Mãe Divina...

(Edições de Planeta - Ramakrishna, o louco de Deus. São Paulo: Três, 1973. p.16).

terça-feira, 20 de abril de 2010

A formação dos símbolos - C.G. Jung


O mecanismo psicológico que transforma a energia (psíquica) é o símbolo. Refiro-me ao símbolo real, e não ao seu sinal. Assim, o buraco feito pelos Watschandis no chão não é um sinal do órgão genital da mulher, mas um símbolo que representa a mulher-terra a ser fecundada. Confundi-lo com uma fêmea humana seria interpretar semioticamente o símbolo, e isto fatalmente perturbaria o valor da cerimônia. E é por este motivo que os dançarinos não olham para uma mulher. O mecanismo seria destruído por uma concepção semiótica (...). Longe de mim afirmar que a interpretação semiótica não tem sentido; não é apenas uma interpretação possível, como também bastante verdadeira. Sua utilidade é indiscutível em todos os casos em que a natureza é frustrada sem que resulte dela uma efetiva produção de trabalho. Mas a interpretação semiótica torna-se sem sentido, quando é aplicada de modo exclusivo e sistemático, quando, em suma, ignora a natureza real do símbolo e o rebaixa à mera condição de sinal.

(…)

Chamei o símbolo que converte a energia de "imagem da libido". Como tal entendo aquelas representações que podem dar uma expressão equivalente à libido e assim canalizá-la para uma forma diferente da original. A mitologia nos oferece numerosos equivalentes deste gênero, que vão desde os objetos sagrados, como os churingas, os fetiches, etc, até as figuras de deuses. (…) A transformação da energia por meio do símbolo é um processo que vem se realizando desde os inícios da humanidade, e ainda continua. Os símbolos nunca foram inventados conscientemente; foram produzidos sempre pelo inconsciente pela via da chamada revelação ou intuição. (..) Esta antiquíssima função do símbolo está presente também em nossos dias, apesar do fato de que, por centenas de anos, a tendência da evolução da inteligência humana foi no sentido de reprimir a formação individual de símbolos.

(…)

domingo, 18 de abril de 2010

Teia


Teia fina, Quase transparente
Que se vê, e se tocar sente
Oculta sob a cortina
Em experiência se revela diretamente
Se não, em simbiose
Entre sentido e mente

Teia cósmica infinita
Tudo é, tudo liga
Tecida em acontecimento
Dentro, não existe desencontro
Passado, presente, futuro
Se planta, colhe em algum ponto

Que se ligam uno a um
Nenhum fica isolado
Acaso?
Como pode existir estando tudo ligado?
Na teia real e ilusória
Tudo flui, nada fica parado

Luís Paulo Lopes

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Entrevista com McKenna



Entrevista de TERENCE MCKENNA, concedida a Will Noffke, que foi publicada no n° 1 da revista High Frontiers , em 1984.

WILL NOFFKE: Fale-nos da experiência que moldou a sua vida e a sua obra - a viagem à Amazônia.

TERENCE MCKENNA: Na verdade, participei de várias viagens à Amazônia, a primeira em 1971, a mais recente em 1981. Em 1981, uma expedição etnobotânica conjunta, composta de membros das universidades de Harvard e Colúmbia Britânica, viajou até Iquitos, no extremo leste do Peru. O meu irmão, que trabalha como etnoquímico na Universidade da Colúmbia Britânica, também fazia parte dessa expedição.

Estávamos estudando o ayahuasca, bebida alucinógena empregada em uma área muito extensa das selvas litorâneas do Equador, da Colômbia e do Peru, e também um alucinógeno pouco conhecido, chamado oo-koo-hey ou kuri-coo, que é usado pelos índios uitotos, boros e muinanes, tanto um quanto outro tendo por base o DMT ou o DMT combinado com algum outro produto químico que propicia a experiência alucinógena. Trata-se provavelmente dos alucinógenos menos pesquisados de todos, embora o ayahuasca constitua importante religião popular em uma área bastante extensa.

É utilizado em curas xamanistas e é bem conhecido pelas classes pobres das planícies litorâneas do Peru e da população de mestiços. Quanto ao kuri-coo, é substância bem menos conhecida. Estávamos estudando-o porque as teorias farmacológicas ortodoxas dizem que ele não deve ser oralmente ativo, mas é. Portanto, havia um problema científico a resolver.