"Então vi toda a minha vida passada aparecendo em muitas imagens, como num palco a uma certa distância de mim. Vi a mim mesmo como a personagem principal da apresentação. Tudo estava transfigurado como que por uma luz divina e tudo era belo, sem desgraça, sem ansiedade e sem dor. A lembrança de experiências muito trágicas que tive foram claras, mas não me entristeceram. Não senti nenhum conflito; o conflito tinha sido transformado em amor. Pensamentos sublimes e harmoniosos dominavam e uniam as imagens individuais, e como uma música magnífica uma calma divina arrebatou minha alma. Fiquei cada vez mais envolvido por um esplêndido céu azul com delicadas nuvenzinhas rosadas e violetas, precipitei-me para dentro disso tudo sem dor e suavemente e vi então que estava caindo livremente e abaixo de mim havia um campo de neve me esperando... Então, ouvi um baque surdo e minha queda chegara ao fim."
Albert Heim descrevendo sua queda quase fatal nos Alpes suíços
A morte é uma das poucas experiências universais da existência humana. É o acontecimento mais previsível em nossa vida e ainda o mais misterioso. Desde tempos imemoráveis, o fato de nossa mortalidade tem sido uma inesgotável fonte de inspiração para artistas e místicos. A idéia da sobrevivência da consciência após a morte e das jornadas póstumas da alma aparecem no folclore, na mitologia e na literatura espiritual de todos os tempos e culturas. Escrituras sagradas especiais têm sido dedicadas à descrição e discussão das experiências associadas com a morte e com o "morrer".
No passado, os cientistas ocidentais ignoraram o que eles chamavam de "mitologia funerária", considerando isso como um produto da fantasia e da imaginação de pessoas primitivas, incapazes de enfrentar e aceitar o fato da própria mortalidade. Essa situação começou a mudar dramaticamente depois que Elisabeth Kübler-Ross atraiu a atenção dos círculos profissionais para a área da morte e do "morrer" e Raymond Moody publicou Life after Life, seu livro mais vendido. O trabalho de Moody foi baseado nos casos de 150 pessoas que tiveram experiências próximas à morte; isso tornou válidas, em especial, as descrições da morte encontradas nos livros tibetanos e egípcios, no Ars Moriendi europeu e em outros guias semelhantes, de outros tempos e culturas, sobre a morte. Torna-se claro que o processo de "morrer" pode ser associado a uma jornada interior extraordinária, nas áreas transpessoais da psique.
Embora haja variações individuais, as experiências das pessoas que chegaram próximas à morte parecem seguir um padrão geral: a vida toda de alguém, até esse ponto, pode ser revista de forma condensada, pitoresca e inacreditável, em poucos segundos. A consciência pode se separar do corpo e se movimentar com grande liberdade e independência. Às vezes pode flutuar acima da cena do acidente e o observa com curiosidade e com um divertimento descomprometido; outras vezes, viaja para lugares distantes.
Muitas pessoas passam através de um túnel escuro ou um funil para uma fonte de luz, cuja radiação e brilho estão além da imaginação humana. Essa luz tem uma beleza extraordinária e sobrenatural, e é dotada de características pessoais precisas. Irradia amor, perdão e aceitação total e infinita. Moody usa o termo "ser de luz" para descrever a natureza dessa experiência; muitas pessoas se referem a isso bem explicitamente como Deus. Esse encontro tem, em geral, a forma de uma troca íntima e pessoal que envolve profundas lições sobre a vida e as leis universais; isto proporciona um contexto para olhar para o próprio passado e avaliá-lo por esses padrões cósmicos. À luz dessa nova informação, a pessoa toma a decisão de resistir em voltar à realidade comum. Quem já passou por essa experiência e volta à vida, geralmente retorna com uma profunda determinação de viver de um modo que seja compatível com os princípios que aprendeu.
As experiências próximas à morte podem assim ser poderosos catalisadores do despertar espiritual e da evolução da consciência. Um encontro com a fonte transpessoal na forma de um "ser de luz" leva a mudanças profundas da personalidade que são muito semelhantes aos efeitos colaterais das experiências espontâneas de pico descritas por Maslow: um aumento do amor-próprio, da autoconfiança e uma diminuição do interesse pelo status, pelo poder e pelas atividades materiais. Tais mudanças estão associadas a uma maior valorização da natureza e da vida, a uma grande preocupação com a ecologia e ao amor pelos seres humanos. No entanto, sua conseqüência mais notável é o despertar de uma espiritualidade que tem uma qualidade universal. Transcende os interesses divisórios do sectarismo religioso e assemelha-se às melhores tradições místicas e às grandes filosofias espirituais do Oriente, em sua qualidade abrangente e em sua transcendência dos limites comuns.
"Retirado de: A tempestuosa busca do Ser; de Stanislav e Christina Grof"
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