Fazendo esforço para memorizar a receita que o Sátiro acabara de lhe dizer, Pedro ficou um tempo em silêncio, para tentar absorver cada palavra que ouviu. O Sátrio lentamente se aproximou. Caminhava tão silenciosamente que não era possível ouvir nem ao menos o barulho das folhas em que pisava. O estranho ser com chifres levantou o dedo e tocou levemente a testa do jovem. Subitamente Pedro sentiu-se tonto, o chão em seus pés começou a girar tão rápido que a floresta virou um borrão em seu campo visual. Sentiu-se como se estivesse no centro de um furacão. Mas ali no centro permanecia imóvel. Gradualmente o chão deixou de girar. Pedro sentiu-se velho e assumiu uma postura encurvada. Olhou para as próprias mãos e percebeu que estavam muito enrugadas. A floresta havia desaparecido e percebeu que estava em sua casa. Havia poeira e teia de aranha em todos os cantos. Tudo estava sujo e bagunçado. O jovem, que agora estava velho, pensou em arrumar toda aquela bagunça, mas sentiu uma preguiça tão forte que parecia penetrar-lhe em cada músculo de seu corpo. Ficou ali onde estava, incapaz de dar um passo à frente. Seu estomago roncou em um estrondo, e percebeu que estava faminto. Dali de onde estava podia ver alguns vegetais sobre a mesa da cozinha, mas tudo que conseguiu fazer foi sentar-se, sem forças, na cadeira de balanço que estava logo atrás de si. Estranhamente a cadeira começou a balançar sozinha, e mesmo com as tentativas de Pedro em parar seu movimento, continuava balançando ininterruptamente para frente e para trás. Sempre que a cadeira ia para frente, sentia-se encorajado a levantar para preparar algo que matasse sua fome; mas sempre que a cadeira ia pra traz sentia como se uma força sobrenatural tivesse roubado toda sua energia e ficava impossibilitado de se levantar. Subitamente, Pedro percebeu que havia um homem com roupas e chapéu quadriculados, como um tabuleiro de xadrez, no canto da sala o observando. De seu chapéu pendiam três pontas com um guizo em cada extremidade. Era uma espécie de bobo, que não parava de rir observando Pedro oscilando, sem alternativa, para frente e para traz na cadeira de balanço. Pedro sabia que conhecia aquele homem de algum lugar, mas não era capaz de se lembrar de onde. Sua risada eufórica dava a impressão de que era um lunático, e suas roupas não ajudavam a dar a entender o contrário. Mas ele parecia ser a menor de suas preocupações, pois sua fome era profunda e suas forças haviam deixado seu corpo. Pedro, o jovem velho, perdeu as contas de quantas vezes a cadeira balançou para frente a pra trás. Algumas centenas, ou talvez milhares. Permaneceu ali, alternando desesperado entre a vontade de se levantar e a constatação amarga de que não tinha forças para tal. O tempo passou. Primeiro dias, depois anos, quem sabe décadas. Não era mais capaz de dizer. Pedro estava tão magro que ninguém que o conhecesse seria capaz de reconhecê-lo. Sua pele parecia estar aderida a seus ossos, como se não houvesse músculo algum entre eles. Seu tormento não tinha fim. O lunático com roupa de bobo permaneceu durante todo esse tempo no canto da sala, observando e rindo como louco de Pedro, que tinha a estranha sensação de que ele deveria estar por trás daquele tormento sem fim. Quando o tempo se transformou em eternidade, desejou morrer para que seu tormento pudesse acabar. Mas estranhamente, apesar de não comer durante toda a eternidade e estando tão fraco que mal podia se mexer, o sopro de vida não o deixava definitivamente. Em certo momento Pedro se perguntou se o motivo de não morrer, apesar disso tudo, seria pelo fato de já estar morto. Foi exatamente no momento em que Pedro se questionou sobre isso, que o louco com roupas xadrez interrompeu sua risada perpétua.
Pedro abriu os olhos no momento em que o Sátiro tirava seu dedo de sua testa. Percebeu que estava naquela mesma floresta densa em que estava perdido antes de ter sido aprisionado na eternidade. Como poderia ser? Havia se passado tanto tempo que o próprio tempo não fazia mais sentido desde que havia se sentado naquela cadeira de balanço, faminto e exausto, mas parecia que não tinha se passado nem mesmo um único minuto na floresta em que estava o Sátiro. Tudo estava exatamente como antes de ter vivido aquela vida miserável, condenado à oscilação perpétua daquela cadeira de balanço que se movia sozinha. Sem entender o que tinha acontecido, contou ao Sátiro sobre sua experiência e perguntou quanto tempo tinha se passado desde que falaram pela última vez.
O Sátiro parecia satisfeito vendo a confusão estampada no rosto de Pedro. Exibia um evidente sorriso quando disse: – Passaram-se apenas alguns segundos. Sei que você não é tão ingênuo sobre o mistério do tempo. Sua vida incomum e solitária deixou seus olhos e ouvidos fechados para a vida comum, mas os abriram para certos mistérios do mundo e da eternidade. Não fosse isso, você não estaria aqui. Você vislumbrou aquilo em que pode se tornar no futuro se não voltar a viver! Ou será que vislumbrou a verdade de seu presente? Há! os truques do tempo! Se não gostou do que viveu nas oscilações da eternidade deve prestar atenção nos detalhes e não deixar que os peixes escapem de sua vara. Mas você não é bom pescador e devo agora lhe ensinar a pescar! Sem isso, de nada adiantará a receita do peixe que acabei de te dar.
O Sátrio fez uma expressão brincalhona e perguntou rindo: – Ou será que te passei aquela receita antes do tempo ser tempo? Seja como for, espero que ainda a tenha guardada em sua memória! O esquecimento é uma dádiva por um lado, mas uma maldição por outro. Esses paradoxos estão em toda parte! Pedro tinha memorizado cada palavra. Ter vivido aquela vida miserável na eternidade que durou um instante havia deixado o jovem muito mais atento para tudo que o Sátiro dizia.
4 comentários:
muito bom!
E mais uma visão do arquétipo do sátiro brilhante!
Esqueceram-se so das referências sobre autor(a) tanto do texto como da linda ilustração!
Oi Carolina. Não tenho a referência da ilustração. Mas o texto foi enviado pelo próprio Sátiro. Um abraço!
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