domingo, 7 de dezembro de 2014

Sincronicidade e Inconsciente coletivo - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Cartas de C. G. Jung" Vol II. 
Trecho de carta de Jung enviada ao Dr. John R. Smythies em 29/02/1952.

Dear Dr. Smythies,

[...] No meu ensaio sobre sincronicidade não me aventurei nesse tipo de especulação. Eu proponho um novo (na verdade, bem antigo) princípio de explicação, isto é, a sincronicidade, que é um termo novo para a já consagrada συμπάθεια ou correspondentia. Na verdade, eu me reporto a Leibniz, o último pensador medieval com um critério holístico. Ele explicou o fenômeno por meio de quatro princípios: espaço, tempo, causalidade e correspondência ("harmonia praestabilita"). O último princípio já foi abandonado há muito tempo (ainda que Shopenhauer o tenha reassumido, disfarçado como causalidade). Eu penso que não há explicação causal para os fenômenos-ψ. Conceitos como transferência de pensamentos, telepatia e clarividência nada significam. Como imaginar uma explicação causal para um caso de precognição?

Na minha opinião, os fenômenos-ψ são contingências além da mera probabilidade, "coincidências significativas" (sinngemässe Koinzidenzen) devido a uma condição psíquica especial, isto é, uma certa disposição emocional chamada interesse, expectativa, esperança, fé, etc., ou uma situação emocional objetiva como morte, doença, ou outras condições "numinosas". As emoções seguem um padrão instintivo, isto é, um arquétipo. Nos experimentos da PES [percepção extra sensorial], por exemplo, temos a situação do milagre. Parece que o caráter coletivo dos arquétipos se manifesta também em coincidências significativas, isto é, como se o arquétipo (ou inconsciente coletivo) não estivesse apenas dentro do indivíduo, mas também fora dele, ou seja, em seu meio ambiente, como se emissor e receptor estivessem no mesmo espaço psíquico ou no mesmo tempo (em casos de precognição). Como no mundo psíquico não há corpos movendo-se através do espaço, também não há tempo. O mundo arquetípico é "eterno", isto é, fora do tempo, e está em toda a parte, pois não existe espaço sob condições psíquicas, isto é, arquetípicas. Onde prevalece um arquétipo, podemos esperar fenômenos sincronísticos, isto é, correspondências acausais que constituem num ordenamento paralelo dos fatos no tempo. O ordenamento não é o efeito de uma causa. Ele simplesmente acontece como consequência do fato de a causalidade ser mera verdade estatística. Proponho, por isso, 4 princípios para a explicação da natureza:



Ou levando em consideração a física moderna:


A contingência é na maioria das vezes sem sentido, mas os fenômenos-ψ provam que ela tem sentido às vezes.

Pode-se introduzir a sincronicidade como suplemento necessário de uma causalidade apenas estatística, o que é a maneira negativa de fazê-lo. Mas uma demonstração positiva exige fatos, que não posso fornecer nesta carta, Estão no meu livro. Espero ter-lhe dado ao menos uma idéia do que entendo por sincronicidade. Se o senhor acha que isto é algo não muito diferente da harmonia praestabilita de Leibniz, não está longe da verdade. Mas, enquanto se trata em Leibniz de um fator constante, na minha concepção isto é um fator totalmente inconstante e dependente em grande parte da condição psíquica e arquetípica. 

Lamento estar atrasado com minha resposta. Mas fui acometido de uma gripe e ainda sofro por causa do tempo. 

Yours sincerely,
(C.G. Jung)

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