Carta de Jung enviada Monsieur le Pasteur Oliver Vuille em 22/02/1946.
Monsieur le Pasteur,
Sua pergunta toca numa questão difícil de resolver. Se Oséias fosse um homem de hoje, sua linguagem nos levaria a pensar numa relação intensa com sua mãe, pois em seu modo de se expressar predomina o sentimentalismo. Seria perigoso tirar esta conclusão do velho profeta, pois não há detalhes biográficos que confirmem isto. Temos apenas um texto, cuja peculiaridade de linguagem e conteúdo pode ser atribuída também a outras causas que não a personalidade específica do autor. Não se esqueça que esta personalidade fala como profeta. Isto nos proíbe fazer uso de uma psicologia personalista, porque a imaginação de um profeta não nasce tanto de seu inconsciente pessoal, mas do inconsciente coletivo, e só pode ser explicada por este último. As idéias de Oséias não podem ser derivadas de uma idiossincrasia pessoal, mas é preferível explicá-las pela imagem arquetípica do "casamento divino", uma imagem que ele certamente encontrou muitas vezes em seu ambiente pagão. Assim como não podemos entender as idéias principais de Fausto a partir da atitude (de Goethe) para com seus pais, também não podemos tirar conclusões semelhantes de Oséias, um homem que viveu em condições psíquicas tão diferentes e das quais pouco conhecimento temos. Por isso não ouso nenhuma interpretação personalista e sobretudo porque, segundo penso, a linguagem profética não provem da imaginação pessoal, mas de representações coletivas. Como na grande poesia, nas experiências religiosas e nas visões proféticas também aqui a causa originária está nas representações arquetípicas que pouco têm a ver com a disposição individual do profeta. A representação do relacionamento entre divindade e o povo como "casamento" explica-se satisfatoriamente pela atmosfera espiritual da época na Palestina e na Síria, onde a idéia do hierosgamos tinha papel relevante. [...]
Veuillez agréer, Monsieur le Pasteur, l´expression
des mes sentiments les meilleurs.
(C. G. Jung)
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