Carta de Jung enviada ao Professor G.A. van den Bergh von Eysinga.
Dear Sir,
Antes de mais nada, não sou filósofo e meus conceitos não são filosóficos e abstratos, mas empíricos [...]. O conceito em geral mal compreendido é o de arquétipo, que cobre certos fatos biológicos, mas que não é uma idéia hipostasiada. O "arquétipo" é praticamente sinônimo do conceito biológico de "padrão comportamental" (behaviour pattern). Mas como este designa principalmente fenômenos externos, escolhi o termo "arquétipo" para o "padrão psíquico" (psychic pattern). Não sabemos se o pássaro tecelão contempla uma imagem interna ao seguir um modelo imemorial e hereditário na construção de seu ninho; mas, pelo que sabemos da experiência, nenhum pássaro tecelão inventou seu ninho. É como se a imagem da construção do ninho tivesse nascido com o pássaro.
Como nenhum animal nasce sem os seus padrões instintivos, não existe razão para supormos que o ser humano tenha nascido sem suas formas específicas de reação fisiológicas e psicológicas. No mundo inteiro os animais da mesma espécie apresentam os mesmos fenômenos instintivos, assim também o ser humano apresenta as mesmas estruturas arquetípicas, onde quer que ele viva. Não há necessidade de ensinar ao animal procedimentos instintivos; também o ser humano possui suas formas psíquicas básicas, que ele repete espontaneamente, sem tê-las aprendido nunca. Na medida em que possui a consciência e a capacidade da introspecção, também recebe a possibilidade de perceber suas estruturas instintivas na forma de imagens arquetípicas. Como é de se esperar, estas representações são praticamente universais (cf., por exemplo, a identidade notável das estruturas xamanistas). Também pode acontecer que surjam de novo e espontaneamente tradições na psique da pessoa, que haviam sido totalmente esquecidas. Este fato atesta a autonomia dos arquétipos.
O "pattern of behaviour" mostra também sua autonomia no fato de se impor e atuar quando as circunstâncias gerais o permitem. Ninguém jamais pensaria que a estrutura biológica fosse uma suposição filosófica, no sentido da idéia de Platão ou de uma hipóstase gnóstica. O mesmo vale para o arquétipo. Sua autonomia é um fato observável e não uma hipóstase filosófica. Sou médico e exerço a psiquiatria, tendo pois boas oportunidades de observar fenômenos psíquicos que a filosofia não conhece, ainda que o livro Automatisme Psychologique, de Pierre Janet, já tenha aparecido há mais de 70 anos. [...]
Do ponto de vista filosófico, sem considerar sua premissa psicológica [o livro Resposta a Jó], é pura imbecilidade; do ponto de vista teológico é nada mais do que crassa blasfêmia; e do ponto de vista do senso comum racionalista é um monte de fantasmagorias ilógicas e cretinas. Mas a psicologia tem suas próprias proposições e sua próprias hipóteses de trabalho, baseadas na observação de fatos, isto é, (em nosso caso) a reprodução espontânea de estruturas arquetípicas que aparecem nos sonhos e também nas psicoses. Não se conhecendo estes fatos, fica difícil entender o que significa "realidade psíquica" e "autonomia psíquica". [...]
Yours faithfully,
(C.G. Jung)
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