Entre os povos da região ao sul do Sahara, as três cores primárias - preto-branco-vermelho [...] - formam os próprios princípios governantes do cosmo. Não são apenas palavras para cores, nomes de tons.
Encontramos uma ideia semelhante nas três gunas da cosmologia indiana: tamas preto, rajas vermelho e sattva branco entram na composição de todas as coisas. O antropólogo Victor Turner afirma que essas três cores "fornecem uma classificação primordial da realidade". São "experiências comuns a toda humanidade", são como que "forças" arquetípicas, "biológicas, psicológicas e logicamente anteriores às classificações sociais, quinhões, clãs, totens sexuais e todo o resto". Para a cultura, preto e branco, e também vermelho, precedem e determinam o modo como a vida humana é vivida.
As afirmações de Turner separam a "cultura" da cor da "ciência da cor". Do ponto de vista cultural, as cores não são meras qualidades secundárias, redutíveis a sensações físicas nos sistemas neurológicos do sujeito que percebe. Por um lado, as cores têm a ver com a luz, reflexão, ótica e nervos; por outro, têm algo a ver com o próprio mundo. Elas são o próprio mundo, e esse mundo não é meramente um mundo colorido em função de acidentes de luz e química, ou como se fosse decorado por um Deus pintor. As cores apresentam a realidade fenomenal do mundo, e modo como ele se mostra e, como agentes operativos do mundo, são princípios formativos primários. [...]
Apenas numa visão de mundo fisicamente reduzida, ou seja, uma visão de mundo reduzida à física e pela física, pode o preto ser chamado de uma não cor, uma ausência de cor, uma privação da luz. [...]
Além disso, a definição negativa e primitiva do preto promove a moralização do par preto-branco. O preto é então definido como o não branco e é privado de todas as virtudes atribuídas ao branco. O contraste se torna oposição, até mesmo contradição, como se o dia fosse definido como uma não noite, e um blackberry definido como um não whiteberry.
A lei da contradição, quando moralizada, dá vez à nossa mentalidade ocidental corrente, que se origina nos séculos XVI e XVII, a Era da luz, o Iluminismo, Quando Deus é identificado com a brancura e a pureza, e o preto com a privatio boni, tornando-se cada vez mais fortemente a cor do mal. O racismo norte-europeu e norte-americano pode ter sido iniciado com a moralização dos termos para as cores. Muito antes que algum aventureiro de língua inglesa tocasse a costa da áfrica ocidental, os significados do "preto" no século XV incluíam: "profundidade, manchado com sujeira, sujo, imundo, manchado; maligno, atroz, horrível, mau; desastroso, sinistro, mortífero [...]". Quando os primeiros marinheiros de língua inglesa espiaram os nativos no litoral da África Ocidental chamaram essa gente de "pretos". Este foi o primeiro termo descritivo que usaram - não "nus", não "selvagens", não "pagãos", mas "pretos". Uma vez assim nomeados, esses povos nativos foram amaldiçoados com todos os significados implícitos nesse termo. O termo inglês "branco" caracterizando um grupo étnico ocorre primeiramente em 1604, após a percepção dos africanos como "pretos". A moralização e a oposição entre branco e preto continuam até hoje no uso comum da língua inglesa, já que branco equaciona-se com bom, preto com mau, sujo, imundo, sinistro, o mal. "Branco", como um termo para cristãos, tornou-se firmemente estabelecido no léxico americano já em 1670.
O desdém pelo preto não é apenas contemporâneo, ocidental e inglês. A cor preta no mundo Grego, e também em línguas africanas, carregou significados contrastantes com branco e vermelho, e inclui não apenas a fertilidade da terra e o mistério do mundo das trevas, mas também doença, sofrimento, trabalho, feitiçaria e má sorte.
O preto, no entanto, não é mais amaldiçoado do que qualquer outra cor. De fato, termos para cores carregam significados extremamente contrários. Cada um deles equilibra-se com um conjunto de opostos - o amarelo da luz do sol e da decadência; o verde da esperança e da inveja; o azul do puritanismo e da lascívia. A maldição do preto aparece apenas quando os termos para as cores são colocados nos seres humanos - uma maldição de nossa cultura anglo-americana que pesou na maioria das culturas rotulando-as de brancas, carregando-as assim com a maldição arquetípica da supremacia branca.
Poderia haver um aspecto arquetípico da escuridão que seria responsável por nosso desdém, bem como pelo medo, o arrepio fisiológico que ele pode provocar? Será que o olho humano prefere a luz à escuridão? Será o ser humano heliotrópico, fundamentalmente adaptado à luz? Será a percepção visual seu sentido preferido, como testemunhamos no embrião onde, a partir de suas primeiras semanas, o sistema ótico rudimentar começa a se formar antes de muitos outros?
Se o animal humano tem um predileção inata pela luz, então a exclusão do preto como um termo para cor substituindo "escuridão" poderia encontrar justificativa. A exclusão da escuridão favorece a adaptação ao mundo fenomenal e um funcionamento ótimo nele por meio de nossos órgãos sensoriais primários, os olhos. Então podemos concluir que a definição de preto como uma não cor pertence à identidade ocular da consciência humana. O olho torna-se a pars pro toto para a consciência humana comum, e o preto ameaça o próprio centro dessa identidade. Esta ameaça, entretanto, é também sua virtude!
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