Texto retirado do livro "Psicologia alquímica" de James Hillman.
A linguagem conceitual, entretanto, não é uma metáfora autoevidente. Ela é muito contemporânea para ser transparente; estamos vivendo bem imersos nela, e seu mito está acontecendo em tudo que se refere a nós - então ela não tem um senso metafórico embutido. Eu certamente não sei, e não posso perceber, que eu não seja verdadeiramente composto de um ego e um Self, de uma função sentimento e um instinto de poder, de posições depressivas e ansiedades de castração. Isto soa literalmente para mim e, a despeito de minha própria experiência em usar esses termos, há uma inutilidade assombrosa neles. O nominalismo fez com que desacreditássemos em todas as palavras - o que há em um nome? - pois elas são somente "palavras", ferramentas; qualquer outra serviria da mesma forma. Elas não tem substância.
Mas nossa linguagem psicológica se tornou literalmente real para nós, apesar do nominalismo, porque a psique precisa demonizar e personificar, o que na linguagem torna-se a necessidade de substancializar. A psique anima o mundo em que habita. A linguagem é parte dessa atividade de animação (por exemplo, o discurso onomatopeico com o qual supõe-se que a linguagem "começou"). Se a minha linguagem não preencher essa necessidade de substancializar, a psique vai substanciar de qualquer modo, inesperadamente, endurecendo meus conceitos em coisas físicas ou metafísicas.
Devo insistir que não estou propondo um cancelamento de nossos conceitos e uma restituição dos neologismos arcaicos da alquimia como um novo esperanto para nossa prática e para nossos assuntos. [...] Não é um retorno literal para a alquimia o que é necessário, mas uma restauração do modo alquímico de imaginar. Pois desse modo restauramos a matéria em nosso discurso - e isto, afinal de contas, é nosso objetivo: a restauração da matéria imaginativa, não da alquimia literal. [...]
Como podemos ter fé no que fazemos se as palavras que usamos para isso são desincorporadas de substância? Aqui novamente me junto a Grinnell e Holt, que consideravam a fé como a chave para todo o opus psicológico e alquímico. Porém, eu localizaria essa fé nas palavras que expressam, operam, até são essa empreitada. Novamente: conceitos abstratos, nominações psicológicas que não importam nem têm peso, querendo ou não acrescentam sempre mais dureza, imobilidade plúmbea e fixação, tornando-se objetos ou ídolos de fé ao invés de serem seus portadores vivos. Quando falamos psicologicamente não podemos evitar nos tornarmos rigidamente metafísicos porque a imaginação física foi esvaziada de nossas palavras.
[...] Se nossa linguagem conceitual divide neuroticamente ao abstrair a matéria da imagem e ao falar somente a partir de um lado, então o "como se" da metáfora é em si mesmo psicoterapia exatamente porque distingue dois ou mais níveis - sejam palavras e objetos, eventos e significados, conotações e denotações - juntando-os na própria palavra. Se a coniunctio é uma metáfora imaginada, então metáforas são a coniunctio falada.
Em especial, nossa linguagem conceitual separa psique imaterial de matéria sem alma. Nossos conceitos definiram de tal maneira essas palavras que esquecemos que matéria é um conceito "na mente", uma fantasia psíquica, e que alma é nossa experiência de vida entre coisas e corpos "dentro do mundo". [...]
Terminamos com uma afirmação cultural sobre a neurose e sua terapia, parecida à que foi feita por Freud e por Jung. Nossa neurose e nossa cultura são inseparáveis. Depois da fala dúbia política, dos jargões e do pentagonês, depois do cientificismo sociológico e econômico, do gerenciamento do discurso pela mídia e de todos os outros abusos - até aqueles de Lacan e Heidegger e as teorias de comunicação realizadas em nome da linguagem - que esgotaram as palavras de seu sangue, trouxeram para nossos dias uma nova síndrome, mutismo infantil, e nos fizeram na psicologia perder a fé no poder das palavras, tanto que a terapia deve se voltar para gritos e gestos: depois disso tudo estou apaixonadamente sugerindo um modo de recuperar a linguagem retornando ao discurso que importa. Estou também retornando a Confúcio, que insistia que a terapia da cultura começa com a retificação da linguagem. A alquimia oferece essa retificação.
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