sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Tornar-se criança novamente - C. G. Jung

Texto de C. G Jung publicado em "Psicologia e alquimia"

O caminho principia no país das crianças [alusão a análise de uma série de sonhos], isto é, no tempo em que a consciência racional do presente ainda não se separara da alma histórica, do inconsciente coletivo. Esta separação, na verdade, é indispensável, mas conduz a um tal distanciamento da psique pré-histórica nebulosa, que ocorre uma perda do instinto. Isto acarreta uma atrofia da vida instintiva e consequentemente uma desorientação nas situações humanas em geral. A separação mencionada faz com que o "país das crianças" permaneça definitivamente infantil, tornando-se uma fonte perpétua de tendências e impulsos infantis. É evidente que esses intrusos não são bem-vindos pela consciência, que se esforça por reprimi-los. Tal repressão serve apenas para estabelecer um distanciamento maior da origem, agravando a falta de vida instintiva a ponto de tornar-se uma ausência de alma. Como resultado disso, a consciência é interditada pelo infantilismo ou então vê-se obrigada a defender-se constantemente e em vão deste último através de uma senilidade cínica ou mediante uma resignação amarga. É preciso reconhecer, portanto, que apesar do inegável sucesso da atitude racional da consciência hodierna, sob muitos aspectos ela é infantilmente inadequada e, portanto, hostil à vida. Esta, tendo sido dessecada e bloqueada, exige que se busque a fonte. Mas a fonte só será encontrada se a consciência resignar-se a retornar ao "país das crianças" a fim de nele receber, como antes, as diretivas do inconsciente. É infantil não apenas aquele que permanece criança por muito tempo, mas aquele que separando-se da infância pensa que ela não existe mais porque não a vê. Entretanto, quem retorna ao "país das crianças"receia tornar-se infantil, pois não sabe que tudo o que é autenticamente anímico tem uma dupla face: uma voltada para a frente, outra para trás. Ela é ambígua e, portanto, simbólica como toda realidade viva. 


No estado consciente mantemo-nos num cume e pensamos puerilmente que o caminho que prossegue leva ainda a maiores alturas. Esta é a quimérica ponte do arco-íris [alusão a um sonho]. Na realidade, para atingir o cume seguinte, termos primeiro que descer àquele país onde os caminhos apenas começam a separar-se.

A consciência infantil está sempre ligada a pai e mãe, nunca está só. A volta à infância é sempre um regresso ao lar de pai e mãe, à carga do não ego psíquico representado pelos pais e toda sua longa e significativa história. A regressão significa uma dissolução nas determinantes históricas hereditárias, de cujo cerco só se escapa com grande esforço. A pré-história psíquica é o espírito da gravidade, que exige degraus e escadas porque não pode voar, a modo do intelecto, sem corpo e sem peso. A dissolução na multiplicidade das determinantes históricas se assemelha ao extravio e a um tipo de desorientação na qual até o que é certo parece um erro alarmante.

Como afirmamos anteriormente, o tema dos degraus e das escadas indica o processo de transformação anímica e suas peripécias. Zósimo dá-nos um exemplo clássico disso, com sua ascensão e descida pelos quinze degraus de luz e escuridão.

Não podemos libertar-nos da infância sem trabalhar exaustivamente esse tema, o que sabemos desde as investigações de Freud. O simples conhecimento intelectual não basta, pois só é eficaz uma rememoração que seja ao mesmo tempo vivenciada de novo. Muitas coisas irresolvidas ficam para trás devido ao rápido escoar dos anos e ao afluxo invencível do mundo que acaba de ser descoberto. Mas não nos livramos dessas coisas, apenas nos afastamos delas. Se muito tempo depois evocarmos novamente a infância, nela encontraremos muitos fragmentos vivos da própria personalidade, que nos agarram e somos invadidos pelo sentimento dos anos transcorridos. Esses fragmentos permanecem num estágio infantil e por isso são intensos e imediatos. Só através da sua religação com o consciente adulto poderão ser corrigidos, perdendo seu aspecto infantil. 

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