Texto de C. G. Jung retirado do livro "Resposta a Jó" (§647 - 648)
Nota-se no caráter de Cristo, além de seu amor para com os homens, uma certa irritabilidade e uma falta de autorreflexão, como acontece frequentemente com os temperamentos emotivos. Não se encontra em parte alguma uma indicação de que Cristo se tenha admirado consigo mesmo. Parece que ele não se sente confrontado consigo mesmo. Existe apenas uma exceção a esta regra, o seu grito de desespero na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" Sua natureza humana atinge aqui a divindade e no momento em que Deus vive a experiência do homem mortal e sente em si próprio os sofrimentos pelos quais fizera passar o seu fiel servidor Jó. É aqui que se responde a Jó e, como se pode ver, é um momento ao mesmo tempo divino e humano, "escatológico" e "psicológico". O motivo divino se acha presente, de forma impressionante, neste momento em que se pode sentir o homem em toda a sua dimensão. Os dois são uma só e mesma coisa. Como é que se pretende desmitizar aqui a figura de Cristo? Uma tentativa racionalista desta espécie nada mais faria, evidentemente, do que esvaziar o mistério desta personalidade, e o que restasse não seria mais o nascimento e o destino de um Deus no tempo, mas a figura de um reformador judeu interpretado e entendido erroneamente em sentido helenístico, algo assim como um Pitágoras, um Buda, ou um Maomé, mas jamais como um filho de Deus ou um Deus feito homem. Além do mais, parece que tais pessoas não percebem com suficiente clareza que espécies de reflexão um Cristo isento de toda escatologia por força haveria de provocar! Existe hoje uma psicologia empírica, embora a teologia tudo faça por ignorá-la, e certas afirmações de Cristo poderiam ser rigorosamente analisadas por ela. Em outras palavras: se desvincularmos estas afirmações da sua relação com o mito, não haverá outra maneira de interpretá-las senão em sentido pessoal. Mas se reduzíssemos afirmações como esta: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim", a uma psicologia pessoal, a que conclusão chegaríamos? É claro que à mesma a que chegaram os parentes de Jesus, ao afirmarem: "Ele está fora de si". Que sentido terá uma religião sem mito, se sua função, quando realmente existe, é precisamente a de nos ligar ao mito eterno?
Nota-se no caráter de Cristo, além de seu amor para com os homens, uma certa irritabilidade e uma falta de autorreflexão, como acontece frequentemente com os temperamentos emotivos. Não se encontra em parte alguma uma indicação de que Cristo se tenha admirado consigo mesmo. Parece que ele não se sente confrontado consigo mesmo. Existe apenas uma exceção a esta regra, o seu grito de desespero na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" Sua natureza humana atinge aqui a divindade e no momento em que Deus vive a experiência do homem mortal e sente em si próprio os sofrimentos pelos quais fizera passar o seu fiel servidor Jó. É aqui que se responde a Jó e, como se pode ver, é um momento ao mesmo tempo divino e humano, "escatológico" e "psicológico". O motivo divino se acha presente, de forma impressionante, neste momento em que se pode sentir o homem em toda a sua dimensão. Os dois são uma só e mesma coisa. Como é que se pretende desmitizar aqui a figura de Cristo? Uma tentativa racionalista desta espécie nada mais faria, evidentemente, do que esvaziar o mistério desta personalidade, e o que restasse não seria mais o nascimento e o destino de um Deus no tempo, mas a figura de um reformador judeu interpretado e entendido erroneamente em sentido helenístico, algo assim como um Pitágoras, um Buda, ou um Maomé, mas jamais como um filho de Deus ou um Deus feito homem. Além do mais, parece que tais pessoas não percebem com suficiente clareza que espécies de reflexão um Cristo isento de toda escatologia por força haveria de provocar! Existe hoje uma psicologia empírica, embora a teologia tudo faça por ignorá-la, e certas afirmações de Cristo poderiam ser rigorosamente analisadas por ela. Em outras palavras: se desvincularmos estas afirmações da sua relação com o mito, não haverá outra maneira de interpretá-las senão em sentido pessoal. Mas se reduzíssemos afirmações como esta: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim", a uma psicologia pessoal, a que conclusão chegaríamos? É claro que à mesma a que chegaram os parentes de Jesus, ao afirmarem: "Ele está fora de si". Que sentido terá uma religião sem mito, se sua função, quando realmente existe, é precisamente a de nos ligar ao mito eterno?
Foi em razão destas diiculdades e também devido a uma certa impaciência diante de um material diícil de tratar, que se admitiu ser Cristo apenas um mito, o que, no presente caso, equivaleria a dizer um ficção. O mito, porém, não é ficção; pelo contrário, o mito se verifica em fatos que se repetem incessantemente e podem ser constamente observados. Ele ocorre no homem, tendo os homens um destino mítico, da mesma maneira que os heróis gregos. Que a vida de Cristo seja um mito, nada depõe contra a sua realidade; e eu quase diria: muito pelo contrário, pois é o caráter mítico de uma vida que exprime justamente o seu valor universal. Psicologicamente falando, nada impede que o inconsciente ou o arquétipo se apodere totalmente de um indivíduo e determine o seu destino até mesmo nos mínimos detalhes. Em tal ocorrência podem surgir fenômenos que também são expressões do arquétipo. O arquétipo não apenas parece realizar-se, como de fato se realiza: psicologicamente no indivíduo, e objetivamente, de um modo exterior. A meu ver Cristo era uma dessas personalidades. Sua vida é precisamente o que deve ser, pois se trata da vida de um Deus e de um homem. É um símbolo, isto é, a reunião de naturezas heterogêneas, um pouco como se víssemos Jó e Javé unidos em uma só e mesma personalidade. A intenção de Javé de tornar-se homem, que resultou do entrechoque com Jó, realizou-se plenamente na Vida e na Paixão de Cristo.
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