Texto de Luís Paulo Lopes publicado originalmente na coluna "Portas da percepção" no blog http://hempadao.com/.
A Psicologia
Transpessoal, surgida nos anos 60, era inicialmente considerada como um
desdobramento da Psicologia Humanista. No entanto, enquanto a Psicologia
Humanista tinha como meta a auto-realização, a Psicologia Transpessoal trazia a
ideia de auto-transcendência. Esta diferença é importante e revela um dos
pressupostos básicos do pensamento transpessoal, a saber, de que a
individualidade é somente um aspecto do Ser. Além da consciência e do inconsciente
pessoal, a psique possui outros aspectos que transcendem a individualidade (daí
o nome transpessoal); aspectos esses que podem ser vivenciados através de
estados incomuns de consciência e cujo potencial heurístico e terapêutico são
impressionantes. Apesar da relação
histórica existente entre a Psicologia Humanista e a Transpessoal, em que
Abraham Maslow participou ativamente de ambas, é possível afirmar que a
Psicologia Reichiana e principalmente a Psicologia Junguiana já haviam
construído um substrato sólido que posteriormente influenciaria de forma
decisiva as teorias transpessoais. O conceito junguiano de inconsciente
coletivo, por exemplo, viria a ser largamente utilizado nas cartografias da
psique criadas pelos autores transpessoais, apesar de ter sofrido modificações.
Há uma série de
abordagens distintas dentro da Psicologia Transpessoal, isso quer dizer que não
se trata de uma “escola” psicológica, mas uma designação genérica, que agrupa
modelos distintos de entendimento do homem e do mundo, assim como diferentes
métodos terapêuticos. Há inúmeras cartografias da psique dentro da Psicologia
Transpessoal, dentre as quais podemos citar como principais, a cartografia da
Psicossíntese de Roberto Assagioli, a cartografia de Stanislav Grof e a
cartografia de Ken Wilber. Todas essas cartografias incluem níveis
transpessoais da psique além da consciência e do inconsciente pessoal. Tais mapas
da alma levam em conta não somente os estados usuais de consciência, como a
vigília e o sono, mas também os estados incomuns de consciência, induzidos por
uma série de técnicas, como trabalhos respiratórios, danças e outras formas de
movimento, isolamento social ou privação sensorial, meios fisiológicos como o
jejum, meditação, orações, outras práticas espirituais, ingestão de drogas
psicodélicas e plantas enteógenas.
Sem dúvida
nenhuma, as pesquisas de Stanislav Grof com a utilização de LSD na
psicoterapia, levadas a cabo durante a década de 60, tiveram grande relevância
para o estabelecimento da Psicologia Transpessoal no hall das psicologias. Grof observou que as experiências induzidas
pelo LSD tinham não somente potencial de cura em situações específicas, mas
também de catalisar profundas mudanças na personalidade global, facilitando o
desenvolvimento do homem inteiro. Não se tratava, portanto, de mais um tipo de
droga alopática, que age nos sintomas; mas de uma droga capaz de induzir
experiências em que o indivíduo é confrontado diretamente com as “causas”, quer
dizer, é confrontado com as questões mais íntimas de sua história pessoal assim
como pode entrar em contato com aspectos que o transcendem (transpessoais),
capazes de mudar completamente a forma como vê a si próprio e o mundo. No
entanto, Grof, não atribuiu tal característica ao LSD em si, mas ao tipo de experiência
induzida por ele, que denominou como estado holotrópico de consciência. O termo
Holotrópico, cunhado por Grof, deriva do grego holos (totalidade) e trepein
(ir em direção, orientado a), portanto descreve um estado de consciência
orientado ao centro. Outras substâncias são capazes de induzir este mesmo
estado de consciência, como a psilocibina, a mescalina, o DMT (dimetiltriptamina),
a ibogaína, dentre outras; assim como diversas técnicas em que não são
utilizadas quaisquer substâncias.
Os estudos dos
estados de consciência induzidos por essas substâncias tiveram importância
central para a criação de modelos psicológicos que viriam a integrar a
Psicologia Transpessoal. Isto é, as experiências enteogênicas ampliaram o
espectro psíquico observável e com isso, os antigos mapas da psique foram também
largamente ampliados. Surgiu assim, no âmbito da psicologia, modelos mais abrangentes
que reconheciam aspectos até então negligenciados pela psicologia ocidental,
mas que constituíam o cerne de filosofias espirituais orientais e culturas
xamânicas. Este alargamento dos limites da psicologia permitiu também que a
espiritualidade ocidental pudesse ser vista com novos olhos, não mais a partir
do dogma, mas da experiência mística. Assim sendo, a Psicologia Transpessoal
leva a sério os estados incomuns de consciência, designados por Grof como
holotrópicos. Considera-os importantes para o processo de desenvolvimento
individual; fundamental para a auto-transcendência e para o desenvolvimento de
uma ética superior, mais abrangente, que abarca a humanidade e nosso planeta
como um todo.
No entanto, em
1969 aconteceu algo que mudaria completamente o rumo das pesquisas com enteógenos.
Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, propôs ao congresso
americano o endurecimento das leis para combater as drogas. Com a guerra às
drogas declarada por Nixon, o LSD e as demais drogas psicodélicas viriam a ser
enquadradas, em 1970, na categoria das drogas mais perigosas. O que significava
proibição não somente para o consumo, mas também para a pesquisa. A proibição
das drogas psicodélicas foi um golpe para os estudos que vinham sendo
realizados por uma série de pesquisadores no campo da psicoterapia. No entanto,
embora as abordagens da Psicologia Transpessoal que utilizavam experiências
induzidas por drogas psicodélicas tivessem recebido um golpe, algumas
continuaram seus estudos através de outras técnicas capazes de induzir estados
incomuns de consciência. Meditação, exercícios de visualização, hipnose,
renascimento e técnicas oriundas do Psicodrama, da Gestalt, da terapia reichiana
e da imaginação ativa junguiana foram utilizadas para acessar as regiões
transpessoais da psique. Stanislav Grof e sua esposa Christina Grof
desenvolveram a respiração holotrópica, técnica que associa respiração
controlada, música, trabalho corporal focalizado e arte, com resultados
impressionantes, capazes de induzir profundos estados holotrópicos de consciência.
Atualmente o
interesse pelo estudo das drogas psicodélicas vem ganhando novo fôlego e
reconquistando espaço no âmbito acadêmico. Há diversos estudos recentes
mostrando a eficácia terapêutica dessas substâncias, ou melhor, das
experiências induzidas por essas substâncias, no campo da psicoterapia. De um
modo geral, os estudos recentes não estão associados ao campo da Psicologia
Transpessoal, mas demonstram resultados positivos no tratamento de várias
patologias específicas, como distúrbios alimentares, ansiedade, depressão,
estresse pós-traumático e uso abusivo de álcool e outras drogas, por exemplo. Tais
estudos são extremamente importantes e preparam terreno para uma possível
utilização, no futuro, dessas substâncias associadas à psicoterapia. Tal fato é
animador, principalmente em nossa sociedade que tende a patologizar ou ver como
indesejável qualquer estado incomum de consciência, e, portanto, negligencia
estados de consciência extremamente apreciados em outras culturas por seus
potenciais de cura e transformação.
A utilização de
tais estados de consciência, com métodos adequados, pode ser importante não
somente para os indivíduos que os vivenciam, mas para a sociedade como um todo.
Já que seu potencial de cura não se relaciona a sintomas específicos, mas ao
desenvolvimento do homem inteiro. Isso quer dizer que, a transformação
individual no sentido da totalidade não está associada exclusivamente à cura de
patologias, mas também ao desenvolvimento de um profundo senso de ética, que
inclui responsabilidade pessoal, social e ecológica; uma maior consciência do
lugar do homem no mundo.
Link para o postagem original: Blog Hempadão - Enteógenos e Psicologia transpessoal
2 comentários:
Maravilho este artigo do Luís Paulo, uma abordagem muito madura e consciente dos temas.
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