terça-feira, 20 de abril de 2010

A formação dos símbolos - C.G. Jung


O mecanismo psicológico que transforma a energia (psíquica) é o símbolo. Refiro-me ao símbolo real, e não ao seu sinal. Assim, o buraco feito pelos Watschandis no chão não é um sinal do órgão genital da mulher, mas um símbolo que representa a mulher-terra a ser fecundada. Confundi-lo com uma fêmea humana seria interpretar semioticamente o símbolo, e isto fatalmente perturbaria o valor da cerimônia. E é por este motivo que os dançarinos não olham para uma mulher. O mecanismo seria destruído por uma concepção semiótica (...). Longe de mim afirmar que a interpretação semiótica não tem sentido; não é apenas uma interpretação possível, como também bastante verdadeira. Sua utilidade é indiscutível em todos os casos em que a natureza é frustrada sem que resulte dela uma efetiva produção de trabalho. Mas a interpretação semiótica torna-se sem sentido, quando é aplicada de modo exclusivo e sistemático, quando, em suma, ignora a natureza real do símbolo e o rebaixa à mera condição de sinal.

(…)

Chamei o símbolo que converte a energia de "imagem da libido". Como tal entendo aquelas representações que podem dar uma expressão equivalente à libido e assim canalizá-la para uma forma diferente da original. A mitologia nos oferece numerosos equivalentes deste gênero, que vão desde os objetos sagrados, como os churingas, os fetiches, etc, até as figuras de deuses. (…) A transformação da energia por meio do símbolo é um processo que vem se realizando desde os inícios da humanidade, e ainda continua. Os símbolos nunca foram inventados conscientemente; foram produzidos sempre pelo inconsciente pela via da chamada revelação ou intuição. (..) Esta antiquíssima função do símbolo está presente também em nossos dias, apesar do fato de que, por centenas de anos, a tendência da evolução da inteligência humana foi no sentido de reprimir a formação individual de símbolos.

(…)


São estas as duas possibilidades oferecidas pelo espírito que a formação dos símbolos segue (instintiva e arquetípica). A redução produz uma desagregação de todos os símbolos inapropriados e inúteis, levando-os, assim, de volta ao seu curso meramente natural, e isto provoca um certo represamento da libido. A maioria das pretensas "sublimações" são produtos compulsivos desta situação, isto é, atividades cultivadas mediante as quais o indivíduo se desfaz, por assim dizer, do excesso insuportável de libido. Mas as exigências realmente primitivas não são atendidas com este procedimento. Se estudarmos cuidadosamente e sem preconceitos a psicologia desta situação de represamento, facilmente descobriremos os começos de uma forma primitiva de religião, forma religiosa esta de natureza individual totalmente diferente da religião coletiva e dogmática predominante.

Como a formação de uma religião ou a formação dos símbolos é um interesse do espírito primitivo, tão importante quanto a satisfação dos instintos, o caminho para um posterior desenvolvimento está logicamente indicado: o caminho para escapar do estado de redução é a formação de uma religião de caráter individual. Com isso a verdadeira individualidade emerge dos véus da personalidade coletiva, o que seria de todo impossível no estado de redução, pois a natureza instintiva é, em si mesma, essencialmente coletiva. O desenvolvimento da individualidade é também impossível, ou no mínimo seriamente impedido, se o estado de redução dá origem a sublimações forçadas, na forma de várias atividades culturais que, por sua essência, são igualmente coletivas. Como os seres humanos são predominantemente coletivos, estas sublimações forçadas são produtos terapêuticos que não devem ser subestimados, pois ajudam muitos indivíduos a levarem avante sua vida em uma atividade útil e proveitosa. Entre estas "atividades culturais" devemos incluir também a prática de uma religião, no quadro de uma religião coletiva. A maravilhosa amplidão do simbolismo católico oferece uma margem de acolhimento aos sentimentos do coração humano, que, para muitas naturezas, é plenamente satisfatória. A imediatidade da relação com Deus, típica do Protestantismo, satisfaz a sua propensão mística à independência, enquanto a Teosofia, com suas ilimitadas possibilidades de abstração, atende à sua necessidade de intuições, de inspiração gnóstica e à sua preguiça de pensar.

As organizações ou sistemas são símbolos que capacitam o homem a estabelecer uma posição espiritual que se contrapõe à natureza instintiva original, uma atitude cultural em face da mera instintividade. Esta tem sido a função de todas as religiões. Por longo tempo e para a grande maioria dos homens basta o símbolo de uma religião coletiva. Talvez só temporariamente e para um número relativamente pequeno de pessoas é que as religiões coletivas existentes se tornaram inadequadas. Onde quer que o processo cultural esteja em andamento, seja nos indivíduos, isoladamente, seja em grupos, dão-se rupturas com relação às crenças coletivas. Qualquer avanço cultural é, psicologicamente, uma ampliação da consciência, uma tomada de consciência, que só pode se realizar mediante uma diferenciação. Por isso. Qualquer avanço começa sempre com a individuação, isto é, começa como indivíduo abrindo novo caminho através de terreno até então não desbravado, depois de haver-se conscientizado de sua própria individualização. Para chegar a isto, deve ele primeiramente retornar aos fatos fundamentais de seu próprio ser, independentemente de qualquer autoridade ou tradição, e tomar consciência de sua diferenciação. Se conseguir conferir um valor à sua consciência ampliada, ele provocará uma tensão entre os opostos que lhe fornece estímulos para seus progressos posteriores.

(…) Nossa educação marcadamente coletiva não faz praticamente provisões para este período de transição. Enquanto nos voltamos exclusivamente para a educação dos jovens, descuidamos da educação do adulto, a respeito do qual se admite - não se sabe com qual fundamento - que não tem necessidade de educação. Falta-lhe, por assim dizer, toda e qualquer guia para esta passagem, extraordinariamente importante, da atitude biológica para a atitude cultural, para a transformação da energia da forma biológica na forma cultural. Este processo de transformação é de natureza individual e não pode ser imposto por regras e prescrições gerais. A transformação da libido se opera através do símbolo. A formação dos símbolos é um problema fundamental que não cabe discutir no âmbito deste trabalho. Devo remeter o leitor ao capítulo V do meu livro Tipos Psicológicos, onde tratei detalhadamente esta questão.

Retirado do livro: "A energia psíquica" de C.G. Jung

2 comentários:

Enteo disse...

Olá LuPa! Tudo bem? Coloquei seu site aqui: http://enteogenos.org/blog/1

Qq coisa dá um toque.

abraço!

Enteo disse...

perdão, o link correto é http://enteogenos.org/blog/soma