Texto de Luís Paulo B. Lopes
Cada vez mais me questiono sobre o que seria a Iluminação ou a Salvação. Acho que idealizamos um estado de perfeição, pelo menos improvável. Questiono-me se a iluminação não seria ao invés da extinção do sofrimento, a convivência pacífica com o sofrimento, o sofrer em paz. Se Deus encarnou como homem e viveu a experiência do sofrimento para se realizar, me parece que a perfeição depende do sofrimento. Cristo seria assim o ápice do desenvolvimento perfeito, o homem que sofre e ama ao mesmo tempo. Quando Jesus crucificado pergunta a seu pai eterno porque o abandonou, está expressando algo que seria estranho aos olhos da perfeição, entendida como completude. Se Ele é completo, se é o próprio Deus, porque questionaria ter sido abandonado? Nesse momento de clímax, o próprio Cristo revela sua incompletude enquanto homem. E esse me parece ser o ápice da vida de Cristo. Deus encarna e morre na cruz como um homem comum para se realizar, não como um semi-deus completo. Embora possamos pensar em Cristo como símbolo da totalidade, o terceiro elemento entre os dois bandidos também crucificados (a dualidade), temos que ter em mente que ele é humano. Seus questionamentos sobre ter sido abandonado por Deus revela de forma visceral que o Deus encarnado vive uma experiência dualística, a experiência da queda, a incompletude humana. Olha que coisa mais linda; seria a incompletude o ápice da perfeição. E não um estado idealizado de beatitude absoluta, que divide o sublime do terreno. É no amor e na compaixão, mas também no sofrimento e na morte que está a perfeição! A Salvação ou Iluminação não deve se referir a um estado de perfeição sobre-humana, mas sim a um estado em que o homem, rendido a Deus, finalmente aceita, com a totalidade de seu ser, sua humanidade. Finalmente torna-se capaz de aceitar o sofrimento e o amor. Quando, pois, almejamos um estado de iluminação, e entendemos por iluminação um estado de perfeição sobre-humana e, portanto, unilateral; estamos na verdade nos afastando cada vez mais dela, pois nos inflamamos do desejo de não sermos humanos, de sair do samsara, quando me parece ser a plena aceitação do samsara a perfeita iluminação, o Nirvana - A Salvação.
Não me importo com a historicidade de Cristo. Pra mim, não faz diferença o que é fato histórico e o que não é. Gosto de pensar em tudo isso como Mito. Mas por mito não entendo uma mentira ou estória qualquer. Ao contrário, entendo por Mito uma verdade profunda da alma humana, uma instância ordenadora anterior a consciência que se mostra a essa com a força da revelação. Do choque dessa profunda verdade com a consciência sai uma faísca – o sentido e a possibilidade de viver a vida viva! O Mito fala de nossa origem e também de nosso destino. Prefiro ver as “histórias” cristãs, que aliás me impactam profundamente, como o Mito cristão, nesta perspectiva. Pois pra mim, os mitos dos indígenas daqui das Américas, os mitos africanos, os gregos, os budistas, os indianos e os babilônicos têm exatamente o mesmo valor enquanto revelação de uma verdade fundamentalmente humana. Uma verdade que não serve só pra preencher lacunas da curiosidade, mas que atua no sentido de botar o homem em marcha, no sentido de sua realização. Ou quem sabe, de botar a divindade no caminho da realização humana. Gosto de ver o mito como algo que estrutura, mas também atua. Bota as coisas nos trilhos. Pensando por essa perspectiva, pouco importa se a Ressurreição de Cristo é ou não uma verdade histórica, o que importa é que essa alegoria, por assim dizer, tem um sentido simbólico profundo. A verdade da Ressurreição se reatualiza em cada um de nós, nas iniciações que a vida nos traz. Na morte de aspectos nossos que se tornaram inadequados e caducos e em nosso renascimento renovado. Somos testemunhas da Ressurreição de Cristo em nossa vida cotidiana. Portanto, vivamos a Páscoa sempre e a cada dia!
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