sexta-feira, 25 de abril de 2014

Os Sete Sermões aos Mortos - C. G. Jung

Os Sete Sermões aos Mortos (Os Septem Sermones ad Mortuos), escritos por Basílides em Alexandria, a cidade onde o Oriente encontra o Ocidente.


O PRIMEIRO SERMÃO

Os mortos retornaram de Jerusalém, onde não encontraram o que buscavam. Eles pediram para serem admitidos à minha presença e exigiram ser por mim instruídos; assim, eu os instruí:

Ouvi: Eu começo com nada. Nada é o mesmo que plenitude. No estado de infinito, plenitude é o mesmo que vazio. O Nada é ao mesmo tempo vazio e pleno. Pode-se também afirmar alguma outra coisa a respeito do Nada, ou seja, que é branco ou negro, existente ou inexistente. Aquilo que é infinito e eterno não possui qualidades porque contém todas as qualidades.

O Nada ou plenitude é por nós chamado de o PLEROMA. Nele, pensamento e existência cessam, porque o eterno é desprovido de qualidades. Nele, não existe ninguém, porque se existisse alguém, este então se diferenciaria do Pleroma e possuiria qualidades que o distinguiriam do Pleroma.

No Pleroma não existe nada e existe tudo: não é bom pensar sobre o Pleroma, pois fazê-lo significaria dissolução.

O MUNDO CRIADO não está no Pleroma, mas em si mesmo. O Pleroma é o princípio e o fim do mundo criado. O Pleroma penetra o mundo criado como a luz solar penetra toda a atmosfera. Embora o Pleroma penetre-o por completo, o mundo criado não participa dele, da mesma forma que um corpo sumamente transparente não se torna escuro ou colorido como resultado da passagem da luz por ele. Nós mesmos, no entanto, somos o Pleroma e assim sendo, o Pleroma está presente em nós. Mesmo no ponto mais minúsculo, o Pleroma está presente sem limite algum, eterna e completamente, porque pequeno e grande são qualidades estranhas ao Pleroma. Ele é o nada onipresente, completo e infinito. Eis porque vos falo do mundo criado como uma porção do Pleroma, mas unicamente em sentido alegórico; pois o Pleroma não se divide em partes, por ser o nada. Somos também o Pleroma como um todo; visto que num aspecto figurativo o Pleroma é um ponto excessivamente pequeno, hipotético, quase inexistente em nós, sendo igualmente o firmamento ilimitado do cosmo à nossa volta. Por que então discorremos sobre o Pleroma, se ele é o todo e também o nada?


segunda-feira, 21 de abril de 2014

Páscoa: Salvação e Ressurreição - Luís Paulo Lopes



Texto de Luís Paulo B. Lopes

Cada vez mais me questiono sobre o que seria a Iluminação ou a Salvação. Acho que idealizamos um estado de perfeição, pelo menos improvável. Questiono-me se a iluminação não seria ao invés da extinção do sofrimento, a convivência pacífica com o sofrimento, o sofrer em paz. Se Deus encarnou como homem e viveu a experiência do sofrimento para se realizar, me parece que a perfeição depende do sofrimento. Cristo seria assim o ápice do desenvolvimento perfeito, o homem que sofre e ama ao mesmo tempo. Quando Jesus crucificado pergunta a seu pai eterno porque o abandonou, está expressando algo que seria estranho aos olhos da perfeição, entendida como completude. Se Ele é completo, se é o próprio Deus, porque questionaria ter sido abandonado? Nesse momento de clímax, o próprio Cristo revela sua incompletude enquanto homem. E esse me parece ser o ápice da vida de Cristo. Deus encarna e morre na cruz como um homem comum para se realizar, não como um semi-deus completo. Embora possamos pensar em Cristo como símbolo da totalidade, o terceiro elemento entre os dois bandidos também crucificados (a dualidade), temos que ter em mente que ele é humano. Seus questionamentos sobre ter sido abandonado por Deus revela de forma visceral que o Deus encarnado vive uma experiência dualística, a experiência da queda, a incompletude humana. Olha que coisa mais linda; seria a incompletude o ápice da perfeição. E não um estado idealizado de beatitude absoluta, que divide o sublime do terreno. É no amor e na compaixão, mas também no sofrimento e na morte que está a perfeição! A Salvação ou Iluminação não deve se referir a um estado de perfeição sobre-humana, mas sim a um estado em que o homem, rendido a Deus, finalmente aceita, com a totalidade de seu ser, sua humanidade. Finalmente torna-se capaz de aceitar o sofrimento e o amor. Quando, pois, almejamos um estado de iluminação, e entendemos por iluminação um estado de perfeição sobre-humana e, portanto, unilateral; estamos na verdade nos afastando cada vez mais dela, pois nos inflamamos do desejo de não sermos humanos, de sair do samsara, quando me parece ser a plena aceitação do samsara a perfeita iluminação, o Nirvana - A Salvação.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

O Mito Cristão e o Numinoso - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Memórias, sonhos, reflexões" de C. G. Jung.

No que se refere aos povos cristãos, o cristianismo deliquescente negligenciou desenvolver seu mito no decurso dos séculos. O cristianismo recusou ouvir aqueles que davam expressão à dinâmica obscura das representações míticas. Um Gioacchino da Fiore, um Meister Eckhart, um Jacob Boehme, e muitos outros foram mantidos em segredo para a grande maioria dos homens. O único raio de luz é Pio XII e seu dogma, mas nem mesmo se compreende o que eu pretendo dizer com isto. Não se compreende que um mito morre quando não vive mais ou quando seu desenvolvimento cessa. Nosso mito emudeceu e não mais nos responde. A culpa, porém, não cabe a ele, tal como está contido nas Sagradas escrituras, mas a nós que não continuamos a desenvolvê-lo; pelo contrário, impedimos todas as tentativas efetuadas nesse sentido. Em sua forma original, o mito mostra bem os pontos a partir dos quais poderiam nascer as possibilidades de seu desenvolvimento. Por exemplo, as palavras postas na boca de Cristo: "Mostrai-vos, portanto, astutos como a serpente e cândidos como as pombas." Porque teríamos a necessidade de ser astutos como a serpente? E quanto à candura da pomba? "... Se não voltardes ao estado de infância..." (Mateus XVIII, 3). Mas quem sabe o que as crianças realmente são? Que moral justifica o Senhor quando usurpa o asno de que tem necessidade para entrar em Jerusalém como vitorioso? E quanto à sua irritação semelhante ao de uma criança, quando maldiz a figueira? Que moral se segue à parábola do intendente fiel? E qual será esse conhecimento profundo e de tão grande alcance para nós, que encontramos nas palavras apócrifas do Senhor: "Meu amigo, se sabes o que fazes, és feliz, mas se não o sabes, és um maldito e um transgressor da Lei?" O que quer dizer, finalmente, aquilo que Paulo professa (Romanos, VII, 19): "... eu não faço o bem que quero e cometo o mal que não quero"? E eu silencio diante das profecias inequívocas contidas no Apocalipse, às quais, em geral, não se dá crédito, porque são muito embaraçosas.