sábado, 15 de março de 2014

Eros, o Amor - Junito Brandão


Texto retirado do livro "Mitologia Grega" Volume I, de Junito de Souza Brandão. 

Eros, de outro lado, traduz ainda a complexio oppositorum, a união dos opostos. O Amor é a pulsão fundamental de ser, a libido, que impele toda existência a se realizar na ação. É ele que atualiza as virtualidades do ser, mas essa passagem ao ato só se concretiza mediante o contato com o outro, através de uma série de trocas materiais, espirituais, sensíveis, o que fatalmente provoca choques e comoções. Eros procura superar esses antagonismos, assimilando forças diferentes e contrárias, integrando-as numa só e mesma unidade. Nessa acepção, ele é simbolizado pela cruz, síntese de correntes horizontais e verticais e pelos binômios animus-anima e Yang-Yin. Do ponto de vista cósmico, após a explosão do ser em múltiplos seres, o AMOR é a dýnamis, a força, a alavanca que canaliza o retorno à unidade; é a reintegração do universo, marcada pela passagem da unidade inconsciente do Caos primitivo à unidade consciente da ordem definitiva. A libido então se ilumina na consciência, onde poderá tornar-se uma força espiritual de progresso moral e místico. O ego segue uma evolução análoga à do universo: o amor é a busca de um centro unificador, que permite a realização da síntese dinâmica de suas potencialidades. Dois seres que se dão e reciprocamente se entregam, encontram-se um no outro, desde que tenha havido uma elevação ao nível de ser superior e o dom tenha sido total, sem as costumeiras limitações ao nível de cada um, normalmente apenas sexual. O amor é uma fonte de progresso, na medida em que ele é efetivamente união e não apropriação. Pervertido, Eros, em vez de se tornar o centro unificador, converte-se em princípio de divisão e morte. Essa perversão consiste sobretudo em destruir o valor do outro, na tentativa de servir-se do mesmo egoísticamente, ao invés de enriquecer-se a si próprio e ao outro com uma entrega total, um dom recíproco e generoso, que fará com que cada um seja mais, ao mesmo tempo em que ambos se tornam eles mesmos. O erro capital do amor se consuma quando uma das partes se considera o todo.

quarta-feira, 5 de março de 2014

O Simbolismo do Arcano VIII do Tarô - A Justiça

Texto retirado do livro "Jung e o Tarô" de Sallie Nichols.

O número desta carta é oito, e o número arábico 8 repete, na dimensão de encaixe, os pratos redondos da balança. Tanto o eixo celeste quanto o terreno estão claramente envolvidos na consecução do equilíbrio. 

O simbolismo da justiça acentua sistematicamente uma união harmoniosa de forças opostas. Sentado num trono, a grande figura feminina simboliza o poder do feminino sobre-humano. No entanto, empunha uma espada e usa um elmo de guerreiro, a denotar que a discriminação e a coragem masculinas estão também envolvidas em seu trabalho. 

Não segura a espada numa posição de defesa nem de ataque, mas erecta como se pode segurar um cetro ou qualquer outro símbolo de domínio. Talvez A Justiça empunhe a espada dessa maneira para lembrar-nos da espada flamejante à porta do Éden e avisarmos que nunca mais podermos voltar à inocência da infância. Precisamos agora assumir a plena responsabilidade de todo e qualquer conhecimento do bem e do mal que tenhamos adquirido. A arma é enorme e feita de ouro, o que lhe enfatiza mais o valor permanente. 

"Não trago a paz, se não a espada." Nessa fase da série do Tarô, o herói deixou para sempre a paz bem-aventurada da inconsciência para assumir o desafio e a responsabilidade que a espada representa. Agora precisa deixar de invectivar os Fados, ou os pais, pelos pecados que cometeram contra ele por mais reais que estes possam ter sido, e assumir o fardo da própria culpa. Só o néscio se interessa pela culpa dos outros, visto que não lhe é dado mudá-la. Se o herói ainda vê os pais como diabos, responsáveis pelos seus erros e limitações, está tão vinculados a eles como estava quando os supunha seus infalíveis salvadores. Cortar o cordão umbilical significa psicologicamente livrar-se de toda e qualquer dependência infantil, tanto negativa quanto positiva. O significado ritual da espada de ouro da Justiça é o sacrifício. Como ato sacrificial, o herói precisa oferecer sua confiança infantil nos pais. Idealmente, os pais usarão também a faca para libertar-se da sua inconsciente dependência dele. Só então poderá haver um relacionamento adulto equilibrado entre as gerações.

Enteógenos e Psicologia transpessoal - Luís Paulo Lopes

Texto de Luís Paulo Lopes publicado originalmente na coluna "Portas da percepção" no blog http://hempadao.com/.

A Psicologia Transpessoal, surgida nos anos 60, era inicialmente considerada como um desdobramento da Psicologia Humanista. No entanto, enquanto a Psicologia Humanista tinha como meta a auto-realização, a Psicologia Transpessoal trazia a ideia de auto-transcendência. Esta diferença é importante e revela um dos pressupostos básicos do pensamento transpessoal, a saber, de que a individualidade é somente um aspecto do Ser. Além da consciência e do inconsciente pessoal, a psique possui outros aspectos que transcendem a individualidade (daí o nome transpessoal); aspectos esses que podem ser vivenciados através de estados incomuns de consciência e cujo potencial heurístico e terapêutico são impressionantes.  Apesar da relação histórica existente entre a Psicologia Humanista e a Transpessoal, em que Abraham Maslow participou ativamente de ambas, é possível afirmar que a Psicologia Reichiana e principalmente a Psicologia Junguiana já haviam construído um substrato sólido que posteriormente influenciaria de forma decisiva as teorias transpessoais. O conceito junguiano de inconsciente coletivo, por exemplo, viria a ser largamente utilizado nas cartografias da psique criadas pelos autores transpessoais, apesar de ter sofrido modificações.