terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A cartografia da psique na psicossíntese - Roberto Assagioli

Texto retirado do livro "Psicossíntese - Manual de princípios e técnicas" de Roberto Assagioli.

[...] Se reunirmos os fatos comprovados, as contribuições positivas e bem autenticadas e as interpretações bem fundamentadas, ignorando os exageros e as superestruturas teóricas das várias escolas, chegamos em uma concepção pluridimensional da personalidade humana que, embora longe de perfeita ou final, é, pensamos nós, mais abrangente e está mais próxima da realidade do que as formulações anteriores. 

Para ilustrar tal concepção da constituição do ser humano em sua realidade viva e concreta, o seguinte diagrama pode ser útil. Trata-se, é claro, de uma representação grosseira e elementar que só pode oferecer um quadro estrutural, estático, quase "anatômico", de nossa constituição interna, ao mesmo tempo que deixa de fora o seu aspecto dinâmico, que é o mais importante e essencial. Mas, neste caso, como em toda a ciência, passos graduais devem ser dados e aproximações progressivas deve ser feitas. Quando se lida com uma realidade tão plástica e tão esquiva quanto a nossa vida psicológica é importante não perder de vista as linhas principais e as diferenças fundamentais; caso contrário, a multiplicidade de detalhes é suscetível de obscurecer o quadro, como um todo, e de impedir que nos apercebamos do significado, propósito e valor de cada uma de suas partes componentes. 

Com estas reservas e restrições, o mapa é o seguinte:




1. O inconsciente inferior
    Este contém:
    a. As atividades psicológicas elementares que dirigem a vida do corpo; a coordenação inteligente de funções corporais.
    b. Os instintos fundamentais e os impulsos primitivos.
    c. Muitos complexos, carregados de intensa emoção.
    d. Sonhos e imaginações de uma espécie inferior.
    e. Processos parapsicológicos inferiores e não controlados. 
    f. Várias manifestações patológicas, como fobias, obsessões, compulsões e falsas crenças paranóides.

2. O inconsciente médio
    É formado por elementos psicológicos semelhantes aos de nossa consciência em processo de acordamento e são-lhe facilmente acessíveis. Nessa região interior são assimiladas as nossas várias experiências, elaboradas e desenvolvidas as nossas atividades mentais e imaginativas comuns, numa espécie de gestação psicológica antes de nascerem para a luz da consciência. 

3. O inconsciente superior ou Superconsciente
    Desta região recebemos nossas intuições e inspirações superiores - artísticas, filosóficas ou científicas, "imperativos" éticos e impulsos para a ação humanitária e heróica. É a fonte dos sentimentos superiores, como o amor altruísta; do gênio e dos estados de contemplação, iluminação e êxtase. Neste domínio estão latentes as funções psíquicas superiores e as energias espirituais. 

4. O campo da consciência
    Este termo - que não é muito exato mais é claro e conveniente para fins práticos - é usado para designar a parte da personalidade de que possuímos uma percepção direta: o fluxo incessante de sensações, imagens, pensamentos, sentimentos, desejos e impulsos que podemos observar, analisar e julgar. 

5. O "eu" consciente ou "ego"
    O "eu", quer dizer, o ponto de autoconsiência pura, é frequentemente confundido com a personalidade consciente acima descrita mas, na realidade é muito diferente dela. Isto pode ser apurado pelo uso de cuidados introspecção. O conteúdo variável de nossa consciência (sensações, pensamentos, sentimentos, etc.) é uma coisa, ao passo que o eu consciente, ou ego, o centro de nossa consciência, é uma outra. De um certo ponto de vista, essa diferença pode ser comparada à existente entre a área branca iluminada de uma tela e as várias imagens que são projetadas sobre ela. 
    Mas o "homem da rua" e até muitas pessoas educadas não se dão o trabalho de se observarem e discriminarem; elas vogam à deriva na superfície da "corrente mental" e identificam-se com suas sucessivas ondas, com o conteúdo variável da consciência delas. 

6. O Eu superior
    O eu consciente está geralmente não só submerso no incessante fluxo do conteúdo psicológico mas parece desaparecer completamente quando adormecemos, quando desmaiamos, quando estamos sob o efeito de um anestésico ou narcótico, ou em estado de hipnose. E quando despertamos, o eu reaparece misteriosamente, não sabemos como ou quando - um fato que, se examinado de perto é verdadeiramente desconcertante e perturbador. Isso leva-nos a supor que o reaparecimento do eu consciente ou ego se deve à existência de um centro permanente, de um Eu verdadeiro, situado "além" ou acima daquele¹.
    Existem várias maneiras por meio das quais a realidade do Eu pode ser apurada. Tem havido muitos indivíduos que alcançaram, mais ou menos temporariamente, uma percepção consciente do Eu que, para eles, tem o mesmo grau de certeza experimentada por um explorador que penetrou numa região antes desconhecida.[...] 
    Esse Eu está acima do fluxo da corrente mental, não sendo afetado por ela nem pelas condições corporais; e o eu consciente pessoal deve ser considerado meramente como seu reflexo; sua "projeção" no campo da personalidade. No estágio atual da investigação psicológica, pouco se sabe em definitivo a respeito do Eu, mas a importância desse centro sintetizador justifica plenamente o prosseguimento das pesquisas. 

7. O inconsciente coletivo
    Os seres humanos não estão isolados, não são "monadas sem janelas", como Leibnitz pensava. Eles podem, por vezes, sentir-se subjetivamente isolados, mas a concepção existencialista extrema não é verdadeira, tanto psicológica quanto espiritualmente. 
    A linha exterior do oval do diagrama deve ser vista como "delimitadora" mas não como "divisora". Deve ser interpretada como análoga à membrana que delimita uma célula, a qual permite o constante e ativo intercâmbio com o corpo todo a que a célula pertence. Os processos de "osmose psicológica" prosseguem o tempo todo, com outros seres humanos e com o ambiente psíquico geral. Este último corresponde ao que Jung chamou o "inconsciente coletivo"; mas ele não definiu claramente esse termo, em que inclui elementos de naturezas diferentes, até opostas, notadamente, estruturas arcaicas primitivas e atividades superiores, dirigidas para o futuro, de um caráter superconsciente. [...]

Esta concepção da estrutura de nosso ser inclui, coordena e organiza numa visão integral os dados obtidos através de várias observações e experiências. Oferece-nos uma compreensão mais ampla e mais abrangente do drama humano, dos problemas e conflitos com que cada um de nós se defronta, e também indica os meios de resolvê-los, apontando o caminho de nossa libertação. 

Em nossa vida cotidiana, somos limitados e atados de mil maneiras - presas de ilusões e fantasmas, escravos de complexos irreconhecidos, empurrados de um lado para o outro por influências externas, ofuscados e hipnotizados por aparências enganadoras. Não admira que, num tal estado, o homem se mostre frequentemente insatisfeito, inseguro e variável em seu estado de espírito, em seus pensamentos e ações. Sentindo intuitivamente que é "uno" e, no entanto, descobrindo que está "dividido em si mesmo", ele fica perplexo e não consegue entender-se a si mesmo nem entender os outros. Não surpreende, pois, que o homem, não se conhecendo nem se compreendendo não tenha autocontrole e esteja continuamente envolvido em seus próprios erros e fraquezas; que tantas vidas sejam fracassos ou, pelo menos, estejam limitadas e entristecidas por doenças do corpo ou do espírito, ou atormentadas por dúvidas, desânimo e desespero. Não admira que o homem, em sua busca apaixonada e cega de liberdade e satisfação, se rebele violentamente, por vezes, e outras vezes tente sustar seu tormento interior, jogando-se de cabeça em um vida de atividade febril, excitação constante, emoção tempestuosa e temerária aventura.

Um comentário:

Unknown disse...

Super importante esta publicação. Estou cursando psicologia transpessoal e está sendo importante ler artigos e colocações deste tipo. obrigado