quarta-feira, 16 de julho de 2014

A falência do gênero e suas implicações clínicas - Luís Paulo B. Lopes

Texto de Luís Paulo B. Lopes

Há inúmeros debates na contemporaneidade envolvendo a questão do gênero sexual. O que é ser homem? O que é ser mulher? Há algo de fato que determine o que é ser homem ou mulher? Seria isso determinado pela biologia? Ou o gênero é uma construção unicamente cultural? Que tipos de atravessamentos psicológicos estão envolvidos na questão da delimitação do gênero sexual? Essa é uma questão atual, mas não tão atual assim. Ainda na era da revolução industrial, com a necessidade de mão de obra para trabalhar em fábricas gigantescas, as mulheres foram convocadas a abandonar aquilo que a sociedade considerava próprio do gênero feminino para entrar no mundo masculino do mercado de trabalho. Talvez esse tenha sido o primeiro movimento feminista massivo e essas mulheres certamente não saíram impunes por transgredir uma norma social cristalizada. O feminismo enquanto ideologia, posteriormente, iria se aprofundar no questionamento do lugar da mulher na sociedade, gerando mudanças profundas em como a sociedade entende o que é ser mulher e, portanto, o que é permitido para a mulher. O movimento LGBT (ou LGBTTT) deu novo coro ao debate de gênero, com questões relativas à orientação sexual e principalmente sobre identidade de gênero. Tenho notado que esses debates atuais normalmente são inflamados, onde revolucionários tentam derrubar os sólidos muros do status quo por um lado, enquanto que outros tentam defender com todas as forças aquilo que acreditam ser fundamental para a saúde e o bom funcionamento da sociedade. A inflamação dos discursos, que chega às vias da ofensa, da agressão, de prisões e da morte, repousa no antagonismo arquetípico Senex vs. Puer; e lembram as guerras santas. Não estou na posição de defender quaisquer destas ideologias. Minha intenção é observar as implicações psicológicas massivas que esse processo de mudança social está trazendo. Ocorreram muitas mudanças sociais importantes envolvendo o lugar da mulher na sociedade, muitas ainda estão acontecendo e muitas ainda vão acontecer. Com mudanças sociais tão profundas não poderíamos esperar que os indivíduos saíssem imunes. As consequências destas mudanças começam então a inundar os consultórios dos psicólogos.


sábado, 5 de julho de 2014

Resposta à Hillman: sobre herói, ego e Self - Luís Paulo Lopes

Texto de Luís Paulo B. Lopes

Este texto é uma crítica a Hillman, ou melhor, não à Hillman, mas a questões relativas ao ego, ao herói e ao Self na psicologia arquetípica. Considero Hillman um autor que traz excelentes contribuições à psicologia e que particularmente gosto muito. No entanto, há algumas questões que, em minha opinião, merecem algumas ressalvas. Por exemplo, a definição do herói em Hillman não encontra substrato arquetípico que a justifique. O herói, para ele, está associado à usurpação do trono dos deuses pelo ego. No entanto, nos mitos não vemos o herói como alguém que sozinho consegue realizar proezas; e por isso, inversamente ao que Hillman diz, o herói não estaria relacionado ao individualismo – ao indivíduo autocentrado. É necessário voltarmos aos mitos e contos de fada para entendermos o herói, ou como diria Hillman, voltarmos à imaginação. Pois é a alma e sua potência à criação de imagens que serve de substrato fundamental para entendermos não somente o herói, mas todas as pessoas arquetípicas da alma. Pois no mundo imaginal dos mitos e contos de fada, o herói nunca obtém nada sozinho, ao contrário, aquele que tenta realizar suas façanhas sozinho, sem os deuses, sempre fracassa. Os mitos nos mostram que o herói está sempre submetido aos deuses e esse é o motivo de na mitologia grega existir o conceito de hybris, que se refere à característica dos heróis em exceder os limites impostos pelos mesmos. Mas sempre que excedem os limites divinos impostos aos mortais sofrem consequências, que lhes são impostas justamente pelos deuses, e são exatamente estas consequências que acabam botando o herói de frente para seu destino. Isso quer dizer que são também os deuses, e não somente o herói solitário, os responsáveis pelos feitos heróicos. O herói está sempre submetido aos deuses e nunca depende apenas de si mesmo. Édipo aprendeu isso com enorme pesar!