sábado, 25 de janeiro de 2014

Uma esperança para o homem contemporâneo - Pierre Weil

Texto de Pierre Weil retirado do livro "Antologia do Êxtase"

[...] o que se passa no mais íntimo do coração daqueles que atingiram "finalmente" esse nível de conforto típico da época atual, é fácil comprovar que a felicidade que almejavam obter com tal conforto não foi alcançada. Além disso, uma certa nostalgia toma conta de sua alma; a nostalgia de um paraíso perdido que eles confundiram com esse conforto; continuam a buscar fora um estado de consciência que se encontra neles mesmos. "O Reino do Pai está em vós", já dizia Jesus, e Buda insistia em que o fim do sofrimento humano se encontra na descoberta da verdadeira natureza do espírito que está em nós. Esta descoberta é acompanhada de um estado de paz e de uma plenitude indescritíveis. [...]

Ora, é justamente deste estado de Sabedoria primordial e de Amor que o homem contemporâneo mais necessita. Sua neurose fundamental, à qual denominamos de "neurose do paraíso perdido", provém justamente dessa separação resultante de um véu - o véu de Ísis - que separa nosso estado de vigília do estado transpessoal. Da árvore do conhecimento do bem e do mal, isto é, da percepção dualista do real, ele é capaz de regressar à árvore da vida. O paraíso encontra-se em nós mesmos, em cada um de nós, sem exceção. Eis aí a mensagem fundamental que nos dirigem todos aqueles cujos testemunhos dessa experiência capital aqui reproduzimos; experiência que constitui o início de uma autêntica revolução interior e se apóia numa transformação de nosso sistema de valores. Quando se é tocado pela graça dessa vivência, nada mais tem importância senão a Verdade, a Beleza e o Amor.

Uma vez tocado pelo transpessoal, não há mais retorno possível; é preciso seguir adiante e tornar essa experiência cada vez mais permanente, transformando-a numa maneira de ser na própria vida cotidiana. Pouco a pouco, percebemos que não estamos sós, que existe uma Presença que nos guia, através de um aprendizado nem sempre fácil e, por vezes, doloroso. O esforço, todavia, vale a pena, pois frequentemente, após prolongados sofrimentos morais, encontramos o verdadeiro sentido de nossa existência, nossa verdadeira razão de ser neste planeta"

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O guardião do umbral - Roger Woolger

Texto de Roger Woolger retirado do livro "As várias vidas da alma".

Em cursos dirigidos por minha mulher Jennifer e por mim, lembramos com frequência a nossos alunos da imagem oriental do guardião do portal, um monstro aterrorizante retratado nas entranhas de um templo ou em volta de uma mandala sagrada ou pintura de meditação. Estes guardiães são imagens de nosso próprio medo e estão ali para impedir nossa entrada em reinos para os quais a psique não está preparada. Quer estejamos ou  não conscientes dele, cada um de nós tem seus próprios guardiães dos umbrais interiores que nos impedem de ir fundo demais, rápido demais. O desenvolvimento psíquico e espiritual tem uma economia interior sutil, segundo a qual todo indivíduo caminha de acordo com seu ritmo, dirigido por esses guardiães e guias interiores. Essas figuras ficam muito claras quando conseguimos entender nossos sonhos. [...] Todo trabalho psicológico que penetra nas camadas mais profundas do inconsciente tem muitas probabilidades de trazer à tona emoções fortes, lembranças perturbadoras e material de fantasia. Ao não-iniciado, e mesmo a especialistas, estes conteúdos psíquicos frequentemente avassaladores parecem pertencer ao reino da loucura clássica.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Sobre o Amor - C. G. Jung


Texto original em "Memórias, sonhos, reflexões" de Carl Gustav Jung

[...] ao lado do campo da reflexão, há outro domínio, pelo menos tão vasto quanto ele, ou talvez ainda mais vasto, onde a compreensão racional e a descrição dificilmente encontram algo que possam captar. É o domínio do Eros. Na Antiguidade, este era considerado como um deus cuja divindade ultrapassava as fronteiras do humano e que, portanto, não podia ser compreendido nem descrito. Eu poderia tentar abordar, como tantos outros o fizeram antes de mim, esse daimon, cuja eficácia se estende das alturas infinitas do Céu aos abismos tenebrosos do Inferno; mas falta-me a coragem de procurar a linguagem capaz de exprimir adequadamente o paradoxo infinito do amor. Eros é um kosmogonos, um criador, pai e mãe de toda consciência. A formula condicional de São Paulo: "... se eu não tiver amor ..." parece-me ser o primeiro de todos os conhecimentos e a própria essência da divindade. Qualquer que seja a interpretação erudita da frase "Deus é amor" (João IV, 8-16), seu próprio enunciado confirma a divindade como complexio oppositorum - complementaridade, convivência dos opostos. 

A música como agente de cura na psicossíntese - Roberto Assagioli

Texto de Roberto Assagioli retirado do livro "Psicossíntese - Manual de princípios e técnicas".

As propriedades curativas da música eram bem conhecidas dos povos do passado, que fizeram considerável uso dela. Entre os povos primitivos, canções e instrumentos musicais, como o tambor e a matraca, eram usados não só com o objetivo de reforçar o efeito de ervas ou drogas mas também como um meio independente de cura. [...]

No século XIX, em virtude da corrente materialista dominante, esse método de psicoterapia foi comparativamente negligenciado. [...] 

No século atual e, em particular, nestas últimas décadas, verificou-se um renovado interesse pela terapia musical que se manifesta principalmente em três campos: como um meio de suavizar a dor; através de aplicação coletiva em hospitais, sobretudo em clínicas psiquiátricas, com a finalidade de produzir efeitos tônicos ou calmantes nos pacientes; e como um meio de terapia ocupacional. 

Uma terapia musical verdadeiramente científica e, em especial, suas aplicações individuais - notadamente aquelas que visam a cura de problemas específicos em casos particulares - devem basear-se num conhecimento preciso dos vários elementos de que a música se compõe e do efeito que cada um desses elementos produzi sobre as funções fisiológicas e as condições psicológicas. [...]


O vício como emergência espiritual - Stanislav Grof

Texto de Stanislav Grof e Christina Grof retirado do livro "Caminhos além do ego" organizado por Roger Walsh e Frances Vaughan.

É possível que para muitas pessoas, por trás da ânsia por drogas ou álcool, esteja a ânsia por transcendência e completude. Se assim for, a dependência de drogas ou álcool, bem como todos os outros vícios, podem ser em muitos casos uma forma de emergência espiritual¹. O vício difere de outras formas de crise transformadora pelo fato de a dimensão espiritual muitas vezes se esconder por trás da óbvia natureza destrutiva e autodestrutiva da doença. Em outras variedades de emergências espirituais, as pessoas defrontam-se com problemas devidos aos estados mentais espirituais ou místicos. Em contraste, ao longo do processo de dependência, muitas dificuldades ocorrem porque a busca de dimensões internas mais profundas não está sendo empreendida.

Os alcoólatras e outros dependentes descrevem sua queda nos abismos do vício como "bancarrota espiritual" ou "doença da alma", e a cura de seu espírito empobrecido como "renascimento". Como diversas emergências espirituais seguem essa mesma trajetória, é possível aprender muitas lições de assistência durante as crises de transformação com os programas bem-sucedidos no tratamento de abuso de álcool e drogas. 

Para muitas pessoas, por trás da ânsia por drogas, álcool e outros tipos de dependência, está a ânsia pelo Eu superior ou Deus. Muitas pessoas que se recuperaram falam de sua busca incansável de algum pedaço desconhecido que faltava em suas vidas descrevendo como se dedicavam a uma busca vã, de substâncias, alimentos, relacionamentos, posses ou posições de poder e destaque numa tentativa de satisfazer uma ânsia insaciável. Em retrospecto, elas reconhecem ter feito uma trágica confusão, levadas a uma percepção errônea que lhes dizia que a resposta estava fora delas mesmas.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A cartografia da psique na psicossíntese - Roberto Assagioli

Texto retirado do livro "Psicossíntese - Manual de princípios e técnicas" de Roberto Assagioli.

[...] Se reunirmos os fatos comprovados, as contribuições positivas e bem autenticadas e as interpretações bem fundamentadas, ignorando os exageros e as superestruturas teóricas das várias escolas, chegamos em uma concepção pluridimensional da personalidade humana que, embora longe de perfeita ou final, é, pensamos nós, mais abrangente e está mais próxima da realidade do que as formulações anteriores. 

Para ilustrar tal concepção da constituição do ser humano em sua realidade viva e concreta, o seguinte diagrama pode ser útil. Trata-se, é claro, de uma representação grosseira e elementar que só pode oferecer um quadro estrutural, estático, quase "anatômico", de nossa constituição interna, ao mesmo tempo que deixa de fora o seu aspecto dinâmico, que é o mais importante e essencial. Mas, neste caso, como em toda a ciência, passos graduais devem ser dados e aproximações progressivas deve ser feitas. Quando se lida com uma realidade tão plástica e tão esquiva quanto a nossa vida psicológica é importante não perder de vista as linhas principais e as diferenças fundamentais; caso contrário, a multiplicidade de detalhes é suscetível de obscurecer o quadro, como um todo, e de impedir que nos apercebamos do significado, propósito e valor de cada uma de suas partes componentes. 

Com estas reservas e restrições, o mapa é o seguinte:

sábado, 18 de janeiro de 2014

Uma profusão de vidas: a clínica das subpersonalidades - Piero Ferrucci

Texto de Pierro Ferrucci (psicossíntese) retirado do livro "O que podemos vir a ser".

Uma das mais danosas ilusões que podem nos enredar é provavelmente a crença de que somos seres indivisíveis, imutáveis, totalmente consistentes. Mas, descobrir que o contrário é verdade está entre as primeiras tarefas - e possivelmente surpresas - que nos confrontam na aventura de nossa psicossíntese.

Podemos facilmente reconhecer nossa real multiplicidade através da constatação de quão frequentemente mudamos nossa perspectiva geral, mudando nosso modelo de universo com a mesma facilidade com que mudamos de roupa. Assim sendo, a vida pode nos parecer, em algum momento, como uma rotina, uma dança, uma corrida, uma aventura, um pesadelo, um enigma, um carrocel etc. 

Nossos vários modelos de universo colorem nossa percepção e influenciam nosso jeito de ser. E, para cada um deles, desenvolvemos uma auto-imagem e um conjunto de posturas corporais, gestos, sentimentos, comportamentos, palavras, hábitos e crenças. Essa constelação de elementos constitui, em si mesma, um tipo de personalidade miniatura, ou como passaremos a chamá-la, uma subpersonalidade.

As subpersonalidades são satélites psicológicos, coexistindo como uma profusão de vidas dentro da média global de nossa personalidade. Cada subpersonalidade tem um estilo e uma motivação próprios, frequentemente não similares aos das outras. Diz o poeta português Fernando Pessoa, "Em cada esquina de minh´alma, há um altar para um deus diferente".


Em cada um de nós há uma multidão. Pode haver o rebelde e o intelectual, a sedutora e a dona de casa, o sabotador e o esteta, o organizador e o bon vivant - cada qual com sua própria mitologia e, todos mais ou menos confortavelmente agrupados numa só pessoa. Com frequência, estão longe de estar em paz uns com os outros. Como escreveu Assagioli, "Nós não somos unificados; frequentemente sentimos que somos, porque não temos diversos corpos e diversos membros, porque usualmente uma mão não bate na outra. Mas metaforicamente, isto é exatamente o que de fato acontece dentro de nós. Muitas subpersonalidades estão continuamente envolvidas numa rixa tumultuada: impulsos, desejos, princípios, aspirações estão engajados numa luta incessante". [...]