terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A cartografia da psique na psicossíntese - Roberto Assagioli

Texto retirado do livro "Psicossíntese - Manual de princípios e técnicas" de Roberto Assagioli.

[...] Se reunirmos os fatos comprovados, as contribuições positivas e bem autenticadas e as interpretações bem fundamentadas, ignorando os exageros e as superestruturas teóricas das várias escolas, chegamos em uma concepção pluridimensional da personalidade humana que, embora longe de perfeita ou final, é, pensamos nós, mais abrangente e está mais próxima da realidade do que as formulações anteriores. 

Para ilustrar tal concepção da constituição do ser humano em sua realidade viva e concreta, o seguinte diagrama pode ser útil. Trata-se, é claro, de uma representação grosseira e elementar que só pode oferecer um quadro estrutural, estático, quase "anatômico", de nossa constituição interna, ao mesmo tempo que deixa de fora o seu aspecto dinâmico, que é o mais importante e essencial. Mas, neste caso, como em toda a ciência, passos graduais devem ser dados e aproximações progressivas deve ser feitas. Quando se lida com uma realidade tão plástica e tão esquiva quanto a nossa vida psicológica é importante não perder de vista as linhas principais e as diferenças fundamentais; caso contrário, a multiplicidade de detalhes é suscetível de obscurecer o quadro, como um todo, e de impedir que nos apercebamos do significado, propósito e valor de cada uma de suas partes componentes. 

Com estas reservas e restrições, o mapa é o seguinte:

sábado, 18 de janeiro de 2014

Uma profusão de vidas: a clínica das subpersonalidades - Piero Ferrucci

Texto de Pierro Ferrucci (psicossíntese) retirado do livro "O que podemos vir a ser".

Uma das mais danosas ilusões que podem nos enredar é provavelmente a crença de que somos seres indivisíveis, imutáveis, totalmente consistentes. Mas, descobrir que o contrário é verdade está entre as primeiras tarefas - e possivelmente surpresas - que nos confrontam na aventura de nossa psicossíntese.

Podemos facilmente reconhecer nossa real multiplicidade através da constatação de quão frequentemente mudamos nossa perspectiva geral, mudando nosso modelo de universo com a mesma facilidade com que mudamos de roupa. Assim sendo, a vida pode nos parecer, em algum momento, como uma rotina, uma dança, uma corrida, uma aventura, um pesadelo, um enigma, um carrocel etc. 

Nossos vários modelos de universo colorem nossa percepção e influenciam nosso jeito de ser. E, para cada um deles, desenvolvemos uma auto-imagem e um conjunto de posturas corporais, gestos, sentimentos, comportamentos, palavras, hábitos e crenças. Essa constelação de elementos constitui, em si mesma, um tipo de personalidade miniatura, ou como passaremos a chamá-la, uma subpersonalidade.

As subpersonalidades são satélites psicológicos, coexistindo como uma profusão de vidas dentro da média global de nossa personalidade. Cada subpersonalidade tem um estilo e uma motivação próprios, frequentemente não similares aos das outras. Diz o poeta português Fernando Pessoa, "Em cada esquina de minh´alma, há um altar para um deus diferente".


Em cada um de nós há uma multidão. Pode haver o rebelde e o intelectual, a sedutora e a dona de casa, o sabotador e o esteta, o organizador e o bon vivant - cada qual com sua própria mitologia e, todos mais ou menos confortavelmente agrupados numa só pessoa. Com frequência, estão longe de estar em paz uns com os outros. Como escreveu Assagioli, "Nós não somos unificados; frequentemente sentimos que somos, porque não temos diversos corpos e diversos membros, porque usualmente uma mão não bate na outra. Mas metaforicamente, isto é exatamente o que de fato acontece dentro de nós. Muitas subpersonalidades estão continuamente envolvidas numa rixa tumultuada: impulsos, desejos, princípios, aspirações estão engajados numa luta incessante". [...]

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Dissolução do eu na totalidade - Luis Paulo Lopes


Dissolução do eu na totalidade.

Luis Paulo B. Lopes

Uma grande dificuldade de falar sobre experiências enteogências é a limitação da linguagem pra exprimi-las. Ao assumir o desafio de escrever sobre elas, devo estar consciente de que nem de longe conseguirei alcança-la com minhas palavras. Além disso, sei também de que a linguagem que utilizarei será melhor assimilada por aqueles que tem alguma experiência com os enteógenos, pois as palavras poderão remeter às lembranças de suas próprias experiências. Entretanto, meu objetivo é falar a todos os interessados pelo assunto, independentemente se já tiveram ou não experiências da natureza que tentarei descrever. Àqueles que nunca exploraram as profundezas de seu Ser pelo viés da experiência enteogênica, fica aqui uma tentativa de demonstrar o indemonstrável. O que escrevo nas linhas que seguem não é, de maneira nenhuma, uma tentativa de oferecer um panorama definitivo sobre a experiência de morte do eu, é antes de tudo, uma forma particular de descrever algo que vivi. Portanto não tenho a pretensão de definir uma verdade, se é que isso é possível, mas apenas de falar livremente. 

A morte simbólica do eu, onde transcende-se os limites da personalidade, é uma experiência de grande intensidade, onde somente a entrega pode garantir uma morte tranquila. Quando o eu, na eminência de morte, tenta se agarrar em sua identidade, a experiencia pode assumir um aspecto terrificante, onde é comum a vivência da loucura ou de medo extremo por exemplo. Essa experiência de luta contra a morte poderia sem classificada como uma espécie de inferno consciencial. Mas se ao invés da luta, o navegante se entrega à morte com confiança, a passagem é feita de maneira tranquila e vive-se uma experiencia paradoxal onde o eu identifica-se com a totalidade. A parte vê a si mesma como sendo o todo sem deixar de saber que é parte. Os limites de identidade do eu se dissolvem e o individuo se transforma na totalidade. Nesse momento não existe mais um individuo vivendo uma experiência, ao invés disso, o indivíduo torna-se a própria experiência. A natureza paradoxal desse tipo de experiência faz com que seja ainda mais difícil falar sobre ela, a linguagem pode se ver presa em aparentes contradições que apenas se resolveriam com a vivência da experiência como suporte de compreensão.

Vicissitudes dos rituais enteogênicos coletivos contemporâneos - Luis Paulo Lopes



Vicissitudes dos rituais enteogênicos coletivos contemporâneos. 


Luis Paulo B. Lopes

Rituais onde utilizam-se enteógenos, sejam de origem animal ou vegetal, são práticas milenares. Há registros de tais rituais nas mais diversas culturas ao redor do mundo. Para compreender aspectos psicológicos, sociais e espirituais envolvidos nos rituais de tais culturas, seria necessário um olhar tendo a própria cultura em questão como referência, para que não se chegue em conclusões de cunho etnocêntrico. Certamente não é de minha competência empreender tal reflexão, portanto ocupo-me com aquilo que faz parte de minha experiência, os rituais coletivos contemporâneos. É importante considerar que o ritual coletivo envolve uma série de aspectos importantes implicados no desenvolvimento espiritual dos indivíduos que deles participam. No entanto, meu objetivo nesse momento é refletir sobre algumas vicissitudes que podem estar envolvidas nessas situações. Afim de que essas reflexões possam ser úteis, de alguma forma, para as próprias instituições que regem os rituais e seus participantes. Tenho consciência de que não serei capaz de abarcar a totalidade de possibilidades envolvidas em tais situações. Mas considero válida a tentativa presente de enumerar alguns pontos envolvidos na situação paradoxal em que uma experiência potencialmente integradora pode também se tornar um entrave no processo de individuação, seja por questões que envolvem o coletivo, seja por questões que envolvem o indivíduo. As questões que apresentarei são fenômenos humanos, e é natural que se manifestem também nos grupos que utilizam enteógenos em seus rituais. Portanto, não tenho como objetivo apontar defeitos ou falhas, mas apenas refletir sobre essas questões.

Certamente a experiência enteogênica tem um grande potencial transformador, na medida em que o indivíduo conscientiza-se, através da experiência, de aspectos de si próprio que antes estavam obscurecidos. Além disso, é interessante ressaltar que o entendimento geralmente existente nos grupos onde são realizados rituais, de que os aspectos transpessoais manifestados no indivíduo são de origem sagrada, é um importante fator facilitador da individuação. Nas palavras de E. F. Edinger:

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Unificação interior - C. G. Jung


Esse casamento seria a unificação dos componentes separados da personalidade que serveria de contra-peso à dicotomia crescente, ou seja, a dissolução psíquica do homem massificado.

No entanto, é da maior importância que esse processo se realize conscientemente, pois, caso contrário, as consequências psíquicas da massificação se intalariam inevitavelmente. Se a afirmação interior do indivíduo não se realizar conscientemente, ela se dará espontâneamente através do fenômeno que todos conhecemos do endurecimento inimaginável do homem massificado em relação ao seu semelhante. Ele se transforma num animal gregário e desprovido de alma, apenas regido pelo pânico e pela cobiça. Sua alma se perde, uma vez que esta só vive da relação humana. A realização consciente da unificação interior é inseparável da relação humana, que é uma condição indispensável, pois sem um vínculo com o próximo, reconhecido e aceito conscientemente, a síntese da personalidade simplesmente não se faz. De fato, essa realidade em que se realiza a unificação interior, nada tem de pessoal nem pertence ao ego. Ela lhe é hierarquicamente superior, pois como Si-Mesmo, representa uma síntese do eu com o inconsciente suprapessoal. O fortalecimento interior do indivíduo nada, absolutamente nada tem a ver com uma forma em nível superior do endurecimento do homem massificado, nem com uma atitude de isolamento espiritual e de inacessibilidade, por exemplo. Muito pelo contrário, ele inclui o próximo.

Retirado de: Ab-reação, análise dos sonhos, transferência. De C.G. Jung

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O significado metafórico da alquimia para Jung - Vitor P.Calixto dos Santos


Trecho do Artigo JUNG E A METÁFORA ALQUÍMICA, publicado em Symbolom - estudos Junguianos. Do autor: Vitor P.Calixto dos Santos

O significado metafórico da alquimia para Jung poderia ser visto nesta suas palavras:

"O problema central da psicologia é a integração dos opostos. Isto é encontrado em todo lugar e todos os níveis. Em Psicologia e Alquimia (Obras 12) ocupei-me da integração de Satanás.[...] Isto se realiza por meio de um processo simbólico muito complicado que coincide a grosso modo com o processo psicológico da individuação. Em alquimia este processo se chama conjunção de dois princípios.[...] As operações alquímicas eram reais, somente que a sua realidade não era física, mas sim psicológica. A alquimia representa a projeção em laboratório de uma drama ao mesmo tempo cósmico e psicológico.[...]

Na linguagem dos alquimistas a matéria sofre até que a nigredo desapareça; então a cauda do pavão ( cauda pavonis) anunciará a aurora e surgirá um novo dia, a leúkosis ou albedo. Mas neste estado de brancura não existe verdadeira vida, é um estado abstrato, ideal. Para infundir-lhe vida é preciso infundir-lhe "o sangue", a rubedo, o vermelho da vida. Somente a experiência de todos os estágios do ser pode transformar o estado ideal da albedo em uma forma de existência plenamente humana. Somente o sangue pode vivificar o estado de consciência mais alto, no qual é dissolvida o último traço de negrume, no qual o demônio não tem mais existência autônoma mas é integrado reconstituindo a profunda unidade da psique. Então a opus magnum está completa: a alma humana está completamente integrada"(10).

sábado, 22 de maio de 2010

O desenvolvimento da personalidade - C.G. Jung


por C.G. Jung

A personalidade se desenvolve no decorrer da vida, a partir de germes, cuja interpretação é difícil ou até impossível; somente pela nossa ação é que se torna manifesto quem somos de verdade. Somos como o Sol que alimenta a Terra e produz tudo o que há de belo, de estranho e de mau; somos também como as mães que carregam no seio a felicidade desconhecida e o sofrimento. De início não sabemos o que está contido em nós, que feitos sublimes ou que crimes, que espécie de bem ou mal. Somente o outono revela o que a primavera produziu, e somente a tarde manifesta o que a manhã iniciou.
A personalidade, no sentido da realização total de nosso ser, é um ideal inatingível. O fato de não ser atingível não é uma razão a se opor a um ideal, pois os ideais são apenas os indicadores do caminho e não as metas visadas.
(...)

Enfim, o que impulsiona a alguém a escolher seu próprio caminho, e a elevar-se como uma camada de nevoeiro acima da identidade com a massa humana? Não pode ser a necessidade, pois esta atinge a muitos e todos estes se salvam pelas convenções (sociais). A decisão moral também não pode ser, pois geralmente todos se decidem pela convenção. O que, pois, dá o último impulso a favor de algo fora do comum?

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Os Três Senhores do Ego - Chögyam Trungpa


Uma metáfora interessante usada no Budismo Tibetano para descrever o funcionamento do ego é a dos "Três Senhores do Materialismo": o "Senhor da Forma", o "Senhor da Palavra" e o "Senhor da Mente". Na apreciação que se segue dos Três Senhores , as palavras "materialismo e "neurótico" referem-se à acção do ego.

O Senhor da Forma refere-se à procura neurótica de conforto físico, segurança e prazer. A tecnológica e altamente organizada sociedade em que vivemos reflecte a nossa preocupação em manipular o que fisicamente nos rodeia, de modo a proteger-nos contra as irritações dos brutais, inconstantes e imprevisíveis aspectos da vida. Elevadores automáticos, carne pré-embalada, ar condicionado, autoclismos, funerais privados, contas poupança-reforma, produção em massa, satélites meteorológicos, retroescavadoras, luz fluorescente, empregos das-nove-às-seis, televisão - tudo tentativas para criar um mundo manobrável, seguro, previsível e agradável.

O Senhor da Forma não designa as situações de vida, fisicamente ricas e seguras, que criamos per se. Refere-se mais à preocupação neurótica que nos leva a criá-las, a tentar controlar a natureza. É ambição do ego sentir-se alegre e seguro, tentando evitar qualquer fonte de irritação. Por isso, agarramo-nos aos nossos prazeres e pertences, tememos a mudança ou forçamo-la, tentamos criar um recreio ou um abrigo.


O Senhor da Palavra refere-se ao uso do intelecto em relação ao nosso mundo. Adoptamos conjuntos de categorias que depois usamos como utensílios, como modos de lidar com os fenómenos. Os produtos mais desenvolvidos desta tendência são as ideologias, os sistemas de ideias que racionalizam, justificam e glorificam as nossas vidas. Nacionalismo, comunismo, existencialismo, Cristianismo, Budismo - todos nos fornecem identidades, regras de conduta e interpretações de como e porquê as coisas acontecem e são o que são.

domingo, 25 de abril de 2010

Sombra e Alquimia - Vera Lucia Paes de Almeida


SOMBRA E ALQUIMIA
Vera Lucia Paes de Almeida
Texto publicado na Revista Hermes, vol. 8, nov. 2003.

Origens da Alquimia:

A Alquimia começou no Ocidente aproximadamente por volta do séc. I a.C. apresentando um declínio gradual após a queda do Império Romano até o séc. X. Durante este período ela floresceu no Império Bizantino e nos diferentes países árabes. Com as cruzadas e a invasão muçulmana na Península Ibérica ela retornou à Europa no séc. XI, unindo-se à Filosofia Escolástica e tendo seu apogeu na Idade Média. No séc. XVII desapareceu definitivamente sendo eclipsada pelo Iluminismo. Parte de seu conhecimento evoluiu para a Química e seu aspecto filosófico e religioso só foi resgatado no séc. XX por C. G. Jung. Ele reconheceu que os tratados alquímicos continham uma linguagem simbólica e falavam do processo de individuação, ou seja, a transformação da personalidade em busca da totalidade. A transmutação dos metais comuns em metais nobres, a busca da pedra filosofal, era o equivalente à busca de integração e conscientizaçã o do centro da personalidade, o Self (Franz, 1998:7).

Alquimia e Cristianismo:
A Alquimia nunca foi hostil aos movimentos religiosos dominantes mas formava uma espécie de tendência subterrânea compensatória.

“O esforço da Alquimia visa a preencher as lacunas deixadas pela tensão dos opostos no Cristianismo.” (Jung, 1994: par. 26)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Êxtase de Ramakrishna


...O sofrimento me dilacerava. Ao pensar que não teria na vida a graça desta visão divina, fui tomado de uma ansiedade terrível. Pensei: se isto deve ser assim, estou farto desta vida!... A grande espada estava pendurada no santuário de Kali. Meu olhar caiu sobre ela e um clarão atravessou-me a mente. - Ela!... Ela me ajudará a pôr fim... Precipitei-me em direção à espada. Segurei-a como um louco... E eis que a sala, com todas as suas portas e janelas, o templo, tudo desapareceu da minha vista. Parecia-me que nada mais existia. Em lugar disto, enxerguei um oceano do espírito, sem limites, resplandecente. Para qualquer ponto que voltasse os olhos, por mais longe que fosse, avistava as vagas enormes deste oceano brilhante. As ondas precipitavam-se furiosamente sobre mim, com um ruído medonho, como se fossem me engolir. Num instante estavam em cima de mim, arrebentaram, engoliram-me. Enrolado por elas, perdi a respiração. Perdi a consciência e caí no chão... Não sei como passei aquele dia e o seguinte. Dentro de mim rolava um oceano de alegria inefável. E até o fundo tinha consciência da presença da Mãe Divina...

(Edições de Planeta - Ramakrishna, o louco de Deus. São Paulo: Três, 1973. p.16).