sábado, 22 de maio de 2010

O desenvolvimento da personalidade - C.G. Jung


por C.G. Jung

A personalidade se desenvolve no decorrer da vida, a partir de germes, cuja interpretação é difícil ou até impossível; somente pela nossa ação é que se torna manifesto quem somos de verdade. Somos como o Sol que alimenta a Terra e produz tudo o que há de belo, de estranho e de mau; somos também como as mães que carregam no seio a felicidade desconhecida e o sofrimento. De início não sabemos o que está contido em nós, que feitos sublimes ou que crimes, que espécie de bem ou mal. Somente o outono revela o que a primavera produziu, e somente a tarde manifesta o que a manhã iniciou.
A personalidade, no sentido da realização total de nosso ser, é um ideal inatingível. O fato de não ser atingível não é uma razão a se opor a um ideal, pois os ideais são apenas os indicadores do caminho e não as metas visadas.
(...)

Enfim, o que impulsiona a alguém a escolher seu próprio caminho, e a elevar-se como uma camada de nevoeiro acima da identidade com a massa humana? Não pode ser a necessidade, pois esta atinge a muitos e todos estes se salvam pelas convenções (sociais). A decisão moral também não pode ser, pois geralmente todos se decidem pela convenção. O que, pois, dá o último impulso a favor de algo fora do comum?


E o que se denomina designação; é um fator irracional, traçado pelo destino, que impele a emancipar-se da massa gregária e de seus caminhos desgastados pelo uso. Personalidade verdadeira sempre supõe designação e nela acredita, nela deposita pistis ("confiança") como em Deus, mesmo que na opinião do homem comum seja apenas um sentimento pessoal de designação. Esta designação age como se fosse uma lei de Deus, da qual não é possível esquivar-se. (…) Quem tem designação (Bestimmung) escuta a voz (Stimme) do seu íntimo, está designado (bestimmung).
(...)
A designação ou o respectivo sentimento não constitui apenas uma prerrogativa das grandes personalidades; também aparece nas pequenas personalidades e mesmo na menor delas, só que acompanhada do decréscimo da intensidade, tornando-se cada vez mais nebulosa e mais inconsciente. Parece que a voz do demônio interior se torna cada vez mais distante, mais rara e mais confusa. Quanto menor for a personalidade, tanto mais imprecisa e inconsciente se torna a voz, até confundir-se com a sociedade, sem poder distinguir-se dela, privando-se da própria totalidade para diluir-se na totalidade do grupo. A voz interior é substituída pela voz do grupo social e de suas convenções; em lugar da designação aparecem as necessidades da coletividade. A não poucos sucede que, mesmo estando nesse estado social inconsciente, são chamados por uma voz individual e assim começam a distinguir-se dos outros e a deparar com problemas a respeito dos quais os outros nada sabem. Em geral é impossível para esse indivíduo explicar às outras pessoas o que lhe aconteceu, pois existe como que um muro de fortíssimos preconceitos a impedir a compreensão.
(...)
Somente pode tornar-se personalidade quem é capaz de dizer um “sim” consciente ao poder da destinação interior que se lhe apresenta; quem sucumbe diante dela fica entregue ao desenrolar cego dos acontecimentos e é aniquilado. O que cada personalidade tem de grande e de salvador reside no fato de ela, por livre decisão, sacrificar-se à sua designação e traduzir conscientemente em sua realidade individual aquilo que, se fosse vivido inconscientemente pelo grupo, unicamente poderia conduzir a ruína.

Retirado de: O desenvolvimento da personalidade; de C.G.Jung

2 comentários:

pepper disse...

Outra dia escrevi uma frase que resume a personalidade de forma conceitual: "A personalidade é a folga do irrestrito jeito de cada um."
Tomada no sentido de grupo, o status para que a mesma aconteça parte do idealismo com a cultura de entorno.
Assim é, abraços à todos.

Rafael disse...

Muito bom, valeu Lupa!