segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Deus e Imagem de Deus: Psicologia e religião - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Cartas de C. G. Jung" Vol. II.
Trecho de carta de Jung enviada ao Pastor W. Niederer em 01/01/1953.

Prezado Pastor!

[...] Meu interesse estava, em primeiro lugar, em entender eu mesmo o sentido da mensagem cristã; em segundo lugar, transmitir este entendimento aos meus pacientes que sentiam uma necessidade religiosa; e, em terceiro lugar, salvar o sentido dos símbolos cristãos em geral.

[...] Critico apenas nossas concepções de Deus. Eu não sei o que Deus é em si. Em minha experiência só há fenômenos psíquicos que, em última análise, são de origem desconhecida, pois a psique em si é irremediavelmente inconsciente. Todos os meus críticos ignoram os limites epistemológicos que eu respeito claramente. Assim como tudo o que percebemos é fenômeno psíquico e, portanto, secundário, o mesmo acontece com toda a experiência interior. Nós deveríamos ser realmente modestos e não imaginar que podemos dizer qualquer coisa de Deus em si. Defrontamo-nos na verdade com enigmas terríveis. 

Devemos estar conscientes de que existe um inconsciente. Eu não ouso formular o que o teólogo faz, mas o que eu faço é tentar tornar as pessoas suficientemente conscientes para que saibam onde podem querer e onde se confrontam com a força da um não-eu. Na medida em que posso observar os efeitos desse não-eu, também é possível para mim fazer afirmações sobre ele. Não tenho nenhum meio cognitivo real (apenas decisões arbitrárias) que me permitem distinguir o não-eu em si incognoscível daquilo que os homens vêm chamando de Deus (ou deuses, etc.) desde tempos imemoriais. Assim, por exemplo, parece-me que o supremo arquétipo do si-mesmo tem um simbolismo idêntico ao da imagem tradicional de Deus. Para mim é incompreensível como se poderia entender tudo isso sem o conhecimento da psicologia do inconsciente ou sem o autoconhecimento. Na psicologia só se entende aquilo que se experimentou ou vivenciou. 

O arquétipo é a última coisa que posso entender do mundo interior. Com isso não se nega nada do que ainda poderia estar ali dentro.


Quando se admite que Deus atinge o profundo da psique, que a torna efetiva, ou seja, ela mesma, então os arquétipos são por assim dizer órgãos (instrumentos) de Deus. O si-mesmo "funciona" como a imagem de Cristo. É o "Christus in nobis" [Cristo em nós] teológico. Assim já pensaram os antigos, inclusive Paulo, e não só eu. Eu me coloco claramente no plano empírico e falo psicologicamente, ao passo que o teólogo fala uma linguagem teológico-analógica ou mitológica.

Certamente a afirmação teológica do éon cristão não corresponde em todos os pontos ao empirismo psicológico, por exemplo em relação a Deus como Summum Bonum [Bem Maior] ou a Cristo como figura de luz pneumática e unilateral. Mas tudo o que vive se transforma, evolui inclusive; por isso o cristianismo já não é aquilo que era há 1.000 anos, ou há 1.900 anos. Pode diferenciar-se ainda mais, isto é, continuar vivendo, mas para isso precisa ser interpretado de forma nova a cada éon. Se isto não aconteceu [...], sufoca-se no tradicionalismo. O fundamento, porém, continua eternamente o mesmo, isto é, os fatos básicos da psique. [...]

Recomendações à sua esposa e saudações cordiais, 
(C.G. Jung)

Nenhum comentário: