quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Desmistificando os arquétipos e o inconsciente coletivo - C. G. Jung

Texto retirado do livro "Cartas de C. G. Jung" Vol II. 
Carta de Jung enviada ao Professor G.A. van den Bergh von Eysinga.

Dear Sir, 

Antes de mais nada, não sou filósofo e meus conceitos não são filosóficos e abstratos, mas empíricos [...]. O conceito em geral mal compreendido é o de arquétipo, que cobre certos fatos biológicos, mas que não é uma idéia hipostasiada. O "arquétipo" é praticamente sinônimo do conceito biológico de "padrão comportamental" (behaviour pattern). Mas como este designa principalmente fenômenos externos, escolhi o termo "arquétipo" para o "padrão psíquico" (psychic pattern). Não sabemos se o pássaro tecelão contempla uma imagem interna ao seguir um modelo imemorial e hereditário na construção de seu ninho; mas, pelo que sabemos da experiência, nenhum pássaro tecelão inventou seu ninho. É como se a imagem da construção do ninho tivesse nascido com o pássaro. 

Como nenhum animal nasce sem os seus padrões instintivos, não existe razão para supormos que o ser humano tenha nascido sem suas formas específicas de reação fisiológicas e psicológicas. No mundo inteiro os animais da mesma espécie apresentam os mesmos fenômenos instintivos, assim também o ser humano apresenta as mesmas estruturas arquetípicas, onde quer que ele viva. Não há necessidade de ensinar ao animal procedimentos instintivos; também o ser humano possui suas formas psíquicas básicas, que ele repete espontaneamente, sem tê-las aprendido nunca. Na medida em que possui a consciência e a capacidade da introspecção, também recebe a possibilidade de perceber suas estruturas instintivas na forma de imagens arquetípicas. Como é de se esperar, estas representações são praticamente universais (cf., por exemplo, a identidade notável das estruturas xamanistas). Também pode acontecer que surjam de novo e espontaneamente tradições na psique da pessoa, que haviam sido totalmente esquecidas. Este fato atesta a autonomia dos arquétipos. 


O "pattern of behaviour" mostra também sua autonomia no fato de se impor e atuar quando as circunstâncias gerais o permitem. Ninguém jamais pensaria que a estrutura biológica fosse uma suposição filosófica, no sentido da idéia de Platão ou de uma hipóstase gnóstica. O mesmo vale para o arquétipo. Sua autonomia é um fato observável e não uma hipóstase filosófica. Sou médico e exerço a psiquiatria, tendo pois boas oportunidades de observar fenômenos psíquicos que a filosofia não conhece, ainda que o livro Automatisme Psychologique, de Pierre Janet, já tenha aparecido há mais de 70 anos. [...]

Do ponto de vista filosófico, sem considerar sua premissa psicológica [o livro Resposta a Jó], é pura imbecilidade; do ponto de vista teológico é nada mais do que crassa blasfêmia; e do ponto de vista do senso comum racionalista é um monte de fantasmagorias ilógicas e cretinas. Mas a psicologia tem suas próprias proposições e sua próprias hipóteses de trabalho, baseadas na observação de fatos, isto é, (em nosso caso) a reprodução espontânea de estruturas arquetípicas que aparecem nos sonhos e também nas psicoses. Não se conhecendo estes fatos, fica difícil entender o que significa "realidade psíquica" e "autonomia psíquica". [...]

Yours faithfully,
(C.G. Jung)

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