sábado, 17 de janeiro de 2015

O confronto com a sombra - C. G. Jung

 Texto retirado do livro "Psicologia e alquimia" de C. G. Jung

O confronto com a metade obscura da personalidade, com a "sombra", produz-se por si só em toda terapia mais ou menos profunda. Este problema é tão importante quanto o do pecado na Igreja. O conflito aberto é inevitável e doloroso. Já me perguntaram muitas vezes: "Como o senhor lida com isso?" - Eu não faço nada, não posso fazer absolutamente nada. Só posso esperar, com uma certa confiança em Deus, até que o conflito suportado com paciência e coragem produza a solução destinada a essa pessoa, e que eu mesmo não posso prever. No entanto, não permaneço passivo ou inativo, mas ajudo o paciente a compreender tudo o que o inconsciente produz durante o conflito. Acreditem, não se trata de banalidades. Pelo contrário, trata-se das coisas mais significativas com as quais já deparei. O paciente também não permanece inativo, pois deve fazer o que é certo, de acordo com suas forças, a fim de não permitir que a pressão do mal se torne excessiva nele. Assim, necessita da "justificação pelas obras", pois a "justificação pela fé" por si só ainda não ecoou dentro dele, como em tantos outros seres humanos. A "fé" pode substituir às vezes a falta de experiência. Neste caso a ação real se torna indispensável. Cristo acolheu o pecador e não o condenou. A verdadeira imitação de Cristo fará o mesmo, também devemos acolher o pecador que nós mesmos somos. E assim como não acusamos o Cristo de confraternizar com o mal, também não devemos inculpar devido ao amor que sentimos pelo pecador que nós mesmos somos, como se isto representasse um pacto de amizade com o diabo. Melhoramos o outro através do amor e o pioramos através do ódio, o que vale também para nós mesmos. O perigo deste modo de ver equivale ao perigo da imitação de Cristo; o justo, porém, não permite que o surpreendam conversando com publicanos ou prostitutas. Devo no entanto ressaltar que a psicologia não inventou o cristianismo, nem a imitação de Cristo. Desejo que a Igreja liberte a todos do peso de seus pecados, mas a quem ela não puder prestar esse serviço só resta o recurso de curvar-se tanto na imitação de Cristo, a ponto de tomar sobre si a carga da própria cruz.