terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A psicoterapia - Luís Paulo B. Lopes

Texto de Luís Paulo B. Lopes

O mergulho no inconsciente não depende de uma postura introspectiva voluntária, como se tivéssemos que nadar para o fundo do mar contra a força do ar em nossos pulmões que insiste em nos levar para a superfície. Ao contrário, o mergulho é mais como se houvesse uma grande pedra amarrada em nossos pés que nos puxa para o fundo apesar de nossos esforços para nos mantermos na superfície. É um processo involuntário que não pode ser interrompido, nem pela mais obstinada força de vontade. A força da pedra que nos puxa para o fundo é infinitamente maior do que a força dos braços do melhor dos nadadores. O inconsciente nos atrai com seu fascínio através das projeções. Faz com que nos movamos no mundo sem nos darmos conta da verdadeira finalidade de "nossas" escolhas. O fato é que muitas das escolhas que pensamos ser nossas, são na verdade de um sem número de outros eus que coabitam nossa totalidade. O eu entretanto tenta tomar posse de tudo que chega à superfície da consciência, e assim acredita que tal ideia é minha, tal escolha é minha, tão percepção é minha, tal forma de ver as coisas é minha, tal estado de espírito é meu, tal emoção é minha, tal desejo é meu, etc. quando muitas vezes são manifestações imediatas da autonomia do inconsciente, nos seduzindo para uma finalidade que nos transcende. Se não desenvolvermos uma atitude religiosa em relação a nosso próprio processo, somos vitimados por um destino coletivo e muitas vezes trágico. Jung define a atitude religiosa através de uma análise etimológica um pouco incomum do termo religio. Comumente considera-se religio como derivado de religare (religar) e entende-se que religião refere-se à religação do homem com Deus. Mas para Jung, religio é derivado de religere (examinar cuidadosamente, examinar de novo, refletir bem), portanto, quando fala em atitude religiosa está falando de uma postura atenta e cuidadosa frente ao próprio processo. A ideia de cultivar a alma, de James Hillman, é uma imagem mais poética que se refere exatamente à mesma coisa. A postura adequada frente ao processo deve ser cuidadosa, atenta e paciente como se estivéssemos cultivando um jardim. As flores nascem a seu próprio tempo e por elas mesmas se o cultivarmos adequadamente. É justamente a atitude religiosa, neste sentido, ou o cultivo da alma, que pode nos salvar do afogamento no fundo do mar durante o mergulho no inconsciente. Assim sendo, estar atento de forma cuidadosa ao processo significa conhecer as imagens da alma. Aqui sim a postura introspectiva voluntária se torna importante; não como forma de mergulhar no inconsciente já que neste caso somos simplesmente tragados, mas como forma de encontrarmos um modo de voltar à superfície através do que encontrarmos no fundo do mar.

Por um lado, as regiões submarinas abissais são tenebrosas e nos emaranham em complicações aparentemente intransponíveis em nossas vidas. Mas por outro lado, o mergulho na água é também um retorno ao ambiente uterino aquático, uma regressão importante, que inicia o processo de maturação de um novo ser que busca vir à luz. É como a morte para um futuro nascimento. Mas como a vida nos mostra, nem sempre é possível nascer pela segunda vez. Muitas pessoas simplesmente ficam aprisionadas no ventre, sendo oprimidas pelas contrações uterinas que tentam forçar o nascimento, mas sem nunca nascer de fato. E isso não é raro. Comumente, é quando isto acontece que as pessoas procuram a psicoterapia, alimentadas pelo desejo de transformação. Procurar a psicoterapia já é um passo importante, pois pelo menos, significa que a pessoa está farta da neurose; e isso já é muita coisa. Quando a pessoa se cansa de ser ruminada pelo processo, nasce o desejo de mudança; e sem ele nada pode acontecer. Mas, embora isto seja importante, ainda é pouco para provocar uma transformação de fato. Aqui novamente chamo atenção para a importância de que se desenvolva uma postura religiosa em relação ao próprio processo. O psicoterapeuta deve ajudar nesse sentido; mas temos que ter em mente que não é nenhum mago ou milagreiro. Não está na mão do psicoterapeuta a responsabilidade da transformação de seus clientes, antes está na mão de cada um deles. Assumir responsabilidade por si próprio e papel ativo no próprio processo, com atenção cuidadosa e paciência, é fundamental para o sucesso de qualquer psicoterapia. Em nosso tempo, entretanto, é comum que, ao procurar um psicólogo - alguém que recebe uma projeção de poder por um suposto saber - acredite-se que este é um profissional capaz de, sozinho, aniquilar o sofrimento, munido com seu arsenal teórico e técnico. Mas isso não é verdade, e cabe ao psicoterapeuta trabalhar para desfazer esta projeção e responsabilizar o cliente pela própria vida, e isto inclui os resultados da psicoterapia. 

O trabalho do psicólogo se assemelha mais ao trabalho paciente de uma parteira do que de um obstetra que pode fazer uma cesariana com hora marcada. Quando uma parteira faz um parto, mergulha no processo junto com a parturiente, e a incentiva a assumir uma postura adequada para o nascimento da criança. Assim como ela, o psicólogo só é capaz de ajudar de forma limitada o nascimento da vida nova. Deve mergulhar com seu ser completo no processo e junto com o cliente estar atento a seu movimento natural e involuntário para que seja capaz de seguir seu curso. Deve assumir, junto com ele, uma postura adequada para que venha à luz aquilo que está sendo maturado no ventre. Pode até ser que em determinado momento precise motivar o cliente a fazer a força necessária para que nasça a vida nova. Mas não pode fazer muito além disso, pois a alma não permite que seu ventre seja aberto com instrumentos cirúrgicos para a retirada da criança sem que esta seja morta na tentativa. Deste modo, a psicoterapia por si mesma, não é garantia de nada, pois não se trata de uma técnica cirúrgica que pode ser aplicada com sucesso enquanto o paciente dorme anestesiado. Quando procuramos um psicoterapeuta devemos estar dispostos a nos levar a sério, a assumirmos responsabilidade por nós mesmos, a nos observar atentamente, a reexaminar com novos olhos o que já foi observado, e a atuar no mundo de novas maneiras. A psicoterapia envolve a descoberta paciente de quem nós somos, e ninguém pode fazer isso por nós, apesar da melhor boa vontade. Ao psicoterapeuta, cabe auxiliar em cada um desses passos sem pretensões mirabolantes e apressadas que podem por tudo a perder. A psicoterapia envolve mais o desenvolvimento de uma nova forma de existir no mundo do que a eliminação de sintomas indesejados, embora isso aconteça como consequência. Mas, como diz Jung, o inconsciente sempre produzirá novas situações indesejadas, e ganha-se mais com a transformação a partir daquilo que somos do que com a eliminação de algo indesejado, que alias aponta para aquilo que precisamos. A psicoterapia deve ser sempre um trabalho profundo de duas pessoas. 

4 comentários:

Anônimo disse...

Olá, eu simplesmente adorei sua forma clara de escrita.
Apenas gostaria de fazer um adendo, de que é dificil ler as palavras pequenas com esse fundo preto. Talvez se tivesse um fundo com uma cor mais suave e mais clara, facilitaria a leitura.
No mais, parabéns!

Luis Paulo Lopes disse...

Olá. Obrigado pela sugestão. Vou mudar a cor do blog assim que possível. Um abraço!

Anônimo disse...

Oi Luis, vou postar partes do seu texto no meu instagram por esses dias! Se tiver instagram e quiser dar uma olhada e ai te marco também. Mas de toda forma os seus créditos estarão lá! Muito bom o texto (@psicologiafernandabosco)

Luis Paulo Lopes disse...

Oi Fernanda. Não tenho instagram, mas sinta-se a vontade. Um grande abraço, Luís