sábado, 1 de novembro de 2014

A questão da interpretação das imagens na psicologia junguiana - Luís Paulo B. Lopes


Texto de Luís Paulo B. Lopes

As imagens têm importância central para a psicologia junguiana, seriam elas a linguagem que a alma se utiliza para falar de si própria. Jung dá grande importância aos mitos, contos de fada, sonhos e fantasias, por considerar que estas imagens trazem consigo elementos arquetípicos que constituem os fundamentos da alma. James Hillman também nos fala da importância da utilização de imagens metafóricas para pensarmos a alma, pois segundo afirma, os conceitos psicológicos tendem, devido à própria natureza unilateral da linguagem conceitual, a literalizar teorias e engessar nosso entendimento sobre nós mesmos. Jung sempre salientou este risco quando repetidas vezes alertou para a tendência a hipostasiarmos teorias, isto é, a confundirmos nossos conceitos sobre a alma com a alma em si mesma. Para Hillman, é a linguagem metafórica que nos previne de confundir o mapa com o território, pois a ambiguidade implícita da metáfora impede a unilateralidade conceitual e a consequente literalização. 

Hillman considera a metáfora como a coniunctio falada, isto é, engloba os opostos em uma unidade paradoxal. Este pensamento está de acordo com o que pensava Jung quando afirmava que o símbolo é a união dos opostos, isto é, irremediavelmente ambíguo, e que a postura simbólica é o que permite a abertura do indivíduo ao mistério no trato com a imagem. Ao contrário da postura simbólica, a postura semiótica, segundo Jung seria responsável por definir correspondências estáticas entre imagens e significados definidos, algo extremamente semelhante ao problema da literalização proposto por Hillman. O cuidado em discernir postura simbólica de postura semiótica, por Jung, nos adverte de que mesmo quando utilizamos uma linguagem imagética, não estamos necessariamente trabalhando de maneira simbólica. E que nossa postura diante das imagens é de fundamental importância para que mantenhamos a ambiguidade do símbolo viva, e assim a possibilidade de abertura para o desconhecido. 

Assim sendo, devemos considerar que mesmo utilizando mitos, contos e metáforas como a alquimia por exemplo, podemos matar o símbolo através de uma postura semiótica diante deles; definindo significados fixos para as imagens que se apresentam. Tal problema é particularmente perigoso para o analista quando se relaciona à interpretação de sonhos ou imagens artísticas produzidas por seus pacientes. Fato que torna esta questão de interesse crucial para a prática analítica junguiana. É justamente pela tendência à postura semiótica diante das imagens que Hillman nos adverte sobre a inedaquação em relacionar diretamente imagens e conceitos psicológicos, como se fossem correspondentes. Esta observação de Hillman é ao mesmo tempo uma advertência e uma crítica, pois sua colocação foi feita em um momento em que a psicologia junguiana estava já bem difundida pelo mundo, e vários analistas acabaram transformando o “como se” em “isto é”, quer dizer, definiram como chave interpretativa do mundo imaginal os próprios conceitos da psicologia analítica. Não é difícil constatar que esta abordagem acaba caindo exatamente naquele perigo que Jung havia advertido, isto é, na morte do símbolo, ou no literalismo proposto por Hillman. Toda a riqueza da linguagem imagética é assim substituída pela rigidez e unilateralidade da linguagem conceitual. 

É importante, entretanto, termos em mente que os conceitos, embora unilaterais já que são, por assim dizer, ferramentas da consciência, não devam ser vistos como vilões ao entendimento psicológico. Pois é através dos conceitos que avançamos na investigação analítica da alma. É graças a eles que podemos separar aquilo que está confuso em uma aparência caótica em coisas distintas e discerníveis. São como uma espada que corta e divide, fundamentais para que possamos construir um entendimento bem sedimentado, embora sempre provisório, incompleto e inacabado. Precisamos ter isso sempre em mente para nos prevenirmos contra a tendência à hipostasiar os conceitos psicológicos, quer dizer, contra a tendência a confundirmos inadequadamente os conceitos com a própria alma.

Isso não quer dizer que não possamos relacionar imagens à conceitos psicológicos. Hillman novamente nos ajuda a entender esta questão quando afirma que somente é possível estabelecer relações de analogia entre imagens e conceitos, mas nunca relações de correspondência. Analogia significa reconhecer semelhança entre coisas diferentes. Chamo atenção para o fato de que só se pode estabelecer analogia entre coisas diferentes, quer dizer, as relações entre imagem e conceito devem ter sempre como pressuposto fundamental a diferença radical entre eles. Isto é, qualquer relação entre conceito e imagem só pode ser feita no campo do “como se”, e nunca no do “isto é”. Quando nossa abordagem é feita através de relações de correspondência (por exemplo, os anões são os complexos) estamos no campo do “isto é”, pois utilizamos as imagens como meros substitutivos dos conceitos. Assim, matamos o símbolo através de uma postura semiótica, pois atribuímos um significado fixo e definido; isto é, excluímos a ambiguidade da imagem, nos fechamos ao mistério e impossibilitamos qualquer emergência de sentido que não seja o previamente atribuído. Por outro lado, as relações por analogia, quer dizer, o campo do “como se”, nos permite reconhecer a semelhança entre conceito e imagem, semelhança essa fundamentada, por definição, na diferença radical entre elas, pois só pode ser semelhante aquilo que é diferente. Assim, não interpretamos a imagem através de conceitos, isto é, não transformamos os conceitos da psicologia junguiana em chaves interpretativas, mas somente os utilizamos como forma auxiliar para interpretação da imagem. 

A insistência de Jung e Hillman de que devemos permanecer com a imagem deve ser lembrada agora, pois somente a permanência na imagem pode prevenir de que a analogia acabe se transformando em correspondência, quer dizer, que o “como se” acabe se transformando em “isto é” sem que nos demos conta. Pois, se o foco sair da imagem para o conceito, inevitavelmente cairemos na postura semiótica. Somente o foco na imagem pode garantir que o tratar com elas possa se fundamentar em uma postura simbólica, em que os conceitos psicológicos são utilizados somente como ferramentas auxiliares, mas sem nunca se confundirem com elas.

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