quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Sobre o Amor - C. G. Jung


Texto original em "Memórias, sonhos, reflexões" de Carl Gustav Jung

[...] ao lado do campo da reflexão, há outro domínio, pelo menos tão vasto quanto ele, ou talvez ainda mais vasto, onde a compreensão racional e a descrição dificilmente encontram algo que possam captar. É o domínio do Eros. Na Antiguidade, este era considerado como um deus cuja divindade ultrapassava as fronteiras do humano e que, portanto, não podia ser compreendido nem descrito. Eu poderia tentar abordar, como tantos outros o fizeram antes de mim, esse daimon, cuja eficácia se estende das alturas infinitas do Céu aos abismos tenebrosos do Inferno; mas falta-me a coragem de procurar a linguagem capaz de exprimir adequadamente o paradoxo infinito do amor. Eros é um kosmogonos, um criador, pai e mãe de toda consciência. A formula condicional de São Paulo: "... se eu não tiver amor ..." parece-me ser o primeiro de todos os conhecimentos e a própria essência da divindade. Qualquer que seja a interpretação erudita da frase "Deus é amor" (João IV, 8-16), seu próprio enunciado confirma a divindade como complexio oppositorum - complementaridade, convivência dos opostos. 


Tanto minha experiência médica como minha vida pessoal colocaram-me constantemente diante do mistério do amor e nunca fui capaz de dar-lhe uma resposta válida. Como Jó, tive que tapar a boca com a mão: "Prefiro tapar a boca com a mão. - Falei uma vez... não repetirei; - duas vezes... eu... nada acrescentarei." Trata-se do que há de maior e de mais ínfimo, do mais longínquo e do mais próximo, do mais alto e do mais baixo e nunca qualquer um desses termos poderá ser pronunciado sem o seu oposto. Não há linguagem que esteja a altura deste paradoxo. O que quer que se diga, palavra alguma abarcará o todo. Ora, falar de aspectos particulares, onde só a totalidade tem sentido, é demasiado ou muito pouco. O amor (a caridade) "desculpa tudo, acredita em tudo, espera tudo, suporta tudo" (I Coríntios XIII, 7). Nada se poderá acrescentar a esta frase. Pois nós somos, no sentido mais profundo, as vítimas ou os meios e instrumentos do "amor" cosmogônico. Coloco esta palavra entre aspas para indicar que não entendo por ela simplesmente um desejo, uma preferência, uma predileção, um anelo ou sentimentos semelhantes, mas um todo, uno e indiviso, que se impõe ao indivíduo. O homem, como parte, não compreende o todo. Ele é subordinado a Ele, está à sua mercê. Quer concorde ou se revolte, está preso ao todo, cativo dele. Depende dele, e sempre tem nele seu fundamento. O amor, para ele, é luz e trevas, cujo fim nunca pode ver. "O amor (a caridade) nunca termina", quer o homem "fale pela boca dos anjos" ou prossiga com uma meticulosidade científica, nos últimos recantos, a vida da célula. Poderá dar ao amor todos os nomes possíveis e imagináveis de que dispõe; afinal, não fará mais do que abandonar-se a uma infinidade de ilusões. Mas se possuir um grão de sabedoria deporá as armas e chamará ignotum per ignotius (uma coisa ignorada por uma coisa ainda mais ignorada), isto é, pelo nome de Deus. Será uma confissão de humildade, de imperfeição, de dependência, mas ao mesmo tempo será o testemunho de sua liberdade de escolha entre a verdade e o erro. 

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