quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

A música como agente de cura na psicossíntese - Roberto Assagioli

Texto de Roberto Assagioli retirado do livro "Psicossíntese - Manual de princípios e técnicas".

As propriedades curativas da música eram bem conhecidas dos povos do passado, que fizeram considerável uso dela. Entre os povos primitivos, canções e instrumentos musicais, como o tambor e a matraca, eram usados não só com o objetivo de reforçar o efeito de ervas ou drogas mas também como um meio independente de cura. [...]

No século XIX, em virtude da corrente materialista dominante, esse método de psicoterapia foi comparativamente negligenciado. [...] 

No século atual e, em particular, nestas últimas décadas, verificou-se um renovado interesse pela terapia musical que se manifesta principalmente em três campos: como um meio de suavizar a dor; através de aplicação coletiva em hospitais, sobretudo em clínicas psiquiátricas, com a finalidade de produzir efeitos tônicos ou calmantes nos pacientes; e como um meio de terapia ocupacional. 

Uma terapia musical verdadeiramente científica e, em especial, suas aplicações individuais - notadamente aquelas que visam a cura de problemas específicos em casos particulares - devem basear-se num conhecimento preciso dos vários elementos de que a música se compõe e do efeito que cada um desses elementos produzi sobre as funções fisiológicas e as condições psicológicas. [...]


Através de sua influência sobre o inconsciente, a música pode ter um efeito curativo, ainda mais definido específico, de caráter psicanalítico. Se for de um gênero adequado, pode ajudar a eliminar repressões e resistências, e trazer para o campo da consciência desperta muitos impulsos, emoções e complexos que estavam criando dificuldades no inconsciente. 

A música também pode ajudar, através de seu sortilégio e influência inspiradora, a transmudar e sublimar aqueles impulsos e energias emocionais, de modo a torná-los não só inofensivos mas a fazer com que contribuam para o aprofundamento da experiência, e a ampliação e enriquecimento da personalidade. [...]

O processo previamente discutido de integração do conteúdo inconsciente na personalidade consciente, e sua subsequente transmutação e harmonização, pode ser considerado, sob um certo aspecto, um processo de síntese. Mas existe um processo mais específico de psicossíntese que é de três espécies, ou, melhor, consiste em três estágios, cada um mais amplo e mais abrangente do que o precedente. Podem ser chamados, respectivamente: psicossíntese espiritual, psicossíntese interindividual e psicossíntese cósmica. 

A primeira - psicossíntese espiritual - reconhece a inclusão e integração na personalidade consciente de elementos psico-espirituais superiores dos quais o indivíduo não tem uma percepção consciente, porque eles residem na esfera mais elevada do inconsciente, o superconsciente. 

A música verdadeiramente religiosa é muito eficaz na produção ou favorecimento de tal síntese. Ela desperta e estimula os "germes" espirituais que existem em cada um de nós, esperando o momento de adquirirem vida. Erguem-se acima do nível da consciência cotidiana, até àqueles domínios superiores onde a luz, o amor e a alegria reinam permanentemente. [...]

O segundo estágio de psicossíntese - a psicossíntese interindividual - é o que se estabelece entre um indivíduo e seus semelhantes num grupo de que ele forma parte - desde a menor combinação, que consiste em um homem e uma mulher, passando pelo grupo familiar, que inclui os filhos, até os vários grupos sociais, aos grupos nacionais e às unidades cada vez maiores, quando a consciência do indivíduo engloba numa relação harmoniosa toda a humanidade. 

Essa psicossíntese interindividual é promovida por toda música que expressa emoções e aspirações coletivas. Inclui os hinos nacionais, as marchas e as canções do folclore tradicional relacionadas com certas ocupações ou atividades de grupo. [...]

O terceiro estágio - psicossíntese cósmica - consiste num reconhecimento e aceitação cada vez maior pelo indivíduo das leis, relações e ritmos que governam a própria vida, em sua mais ampla acepção. Poderia ser chamado o estágio de descoberta e sintonia com "a harmonia das esferas", a participação consciente na grande vida do universo. [...]

A técnica dessa ação curativa consiste, de acordo com Pontvik, na evocação ou expressão musical de símbolos primordiais correspondentes ao que Jung chama arquétipos. [...] Pontvik descobriu em sua experiência que a música de Bach evoca símbolos religiosos [...] Ele apóia sua afirmação em duas interessantes citações; uma de Albert Schweitzer, que não só tem em seu crédito grandes realizações humanitárias mas é, além disso, uma das mais eminentes autoridades em Bach. Schweitzer chama a uma composição de Bach "uma expressão do Poder Primordial que se manifesta na rotação infinita dos mundos". A outra citação é dos escritos de um sábio chines: "A música perfeita tem sua causa. Ela nasce do equilíbrio. O equilíbrio nasce daquilo que é certo. O que é certo nasce do significado do mundo. Portanto, só pode falar sobre música aquele que adquiriu consciência do significado do mundo".

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