quarta-feira, 18 de março de 2009

Espiritualidade, religião e a experiência do divino - Stanislav Grof


Para prevenir a má comunicação, gostaríamos de dizer o que entendemos pelo termo "espiritualidade" e em que sentido o usaremos. O termo espiritualidade deve ser reservado para situações que abrangem experiências pessoais de certas dimensões da realidade e que dão à vida de alguém e à existência em geral uma qualidade numinosa. C. G. Jung usou a palavra "numinosa" para descrever uma experiência que parece sagrada, pura e fora do comum. A espiritualidade é algo que caracteriza o relacionamento entre a pessoa e o universo e não requer, necessariamente, uma estrutura formal, um ritual coletivo ou a meditação feita por um sacerdote.

Em contraste, a religião é uma forma de atividade grupal organizada que pode ou não tender para a verdadeira espiritualidade, dependendo do grau em que ela proporciona um contexto para a descoberta pessoal das dimensões numinosas da realidade. Enquanto na origem de todas as grandes religiões estão as revelações visionárias de seus fundadores, profetas e santos, indicando o caminho, em muitos casos, com o passar do tempo, a religião perde a ligação com o seu núcleo vital.

O termo moderno usado para a experiência direta das realidades espirituais é a palavra "transpessoal", que significa transcender o modo usual de perceber e interpretar o mundo desde uma posição de ego individual ou ego corporal. Existe uma disciplina totalmente nova, a psicologia transpessoal, especializada em experiências desse tipo, e suas implicações e descobertas advindas dos estudos transpessoais de consciência são de fundamental importância para o conceito de emergência espiritual.

Os estados envolvendo encontros pessoais com as dimensões numinosas da existência podem ser divididos em duas grandes categorias. Na primeira, estão as experiências do "imanente divino", ou percepções da inteligência divina expressando-se no mundo da realidade diária. Todo tipo de criação — pessoas, animais, plantas e objetos inanimados — parecem estar impregnados pela mesma essência cósmica e pela mesma luz divina. Uma pessoa nesse estado compreende repentinamente que tudo no universo é manifestação e expressão da mesma energia cósmica criativa e que separação e fronteiras são ilusórias.



As experiências da segunda categoria não representam uma percepção diferente do que já é conhecido, mas revelam uma valiosa série de dimensões da realidade que estão comumente escondidas da consciência humana e não são acessíveis ao estado diário de consciência. Elas podem ser atribuídas às experiências do "transcendente". Um exemplo típico seria a visão de Deus como uma fonte radiante de luz, de beleza sobrenatural, ou a sensação de fusão pessoal e de identidade com Deus, percebida desse modo. As visões de vários seres arquetípicos, como divindades, demônios, heróis lendários e guias espirituais, também pertencem a essa categoria. Outras experiências não envolvem meramente entidades sobre-humanas individuais, mas reinos mitológicos inteiros, como céus, infernos, purgatórios e vários cenários e paisagens diferentes de tudo que já foi visto na Terra.

O que nos interessa aqui são as conseqüências práticas dos encontros pessoais com as realidades espirituais. Para as pessoas que já os tiveram, a existência de um Deus imanente e transcendente não é uma questão de crença infundada, mas é um fato baseado numa experiência direta — assim como nossas atitudes acerca da realidade material da nossa vida diária são baseadas, primeiramente, nas percepções sensoriais. Por outro lado, a crença é uma opinião sobre a natureza da realidade fundamentada em uma forma específica de educação, de instrução ou de leitura da literatura religiosa (isso necessita de validação experimental).

Esses estados transpessoais podem provocar uma verdadeira influência transformadora benéfica nos seus receptores e em suas vidas. Podem aliviar várias formas de desordens emocionais e psicossomáticas, assim como dificuldades com relacionamentos interpessoais. Podem também reduzir tendências agressivas, valorizar a própria imagem, aumentar a tolerância para com os outros e elevar sua qualidade de vida. Entre os efeitos secundários positivos está, com freqüência, uma profunda sensação de conexão com outras pessoas e com a natureza. Essas mudanças nas atitudes e no comportamento são conseqüências naturais das experiências transpessoais; a pessoa as aceita e as adota voluntariamente, sem a imposição de injunções externas, preceitos, ordens ou ameaças de punição.

A espiritualidade desse tipo, baseada na revelação pessoal direta, existe tipicamente nas ramificações místicas das grandes religiões e em suas ordens monásticas, que se utilizam de meditações, cantilenas repetitivas, preces e outras práticas para induzir esses estados transpessoais da mente. Já vimos, por diversas vezes, que as experiências espontâneas durante as emergências espirituais têm um potencial semelhante, se ocorrerem em um contexto de apoio e compreensão.


Retirado do livro: A tempestuosa busca do Ser; de Stanislav e Christina Grof

Um comentário:

Fellippe Takanori Corrêa Ito disse...

Lupa! otimo blog! está muito legal mesmo!!
nesse texto percebi uma diferença que existe entre o que é teórico e comprovado e do que é experimentado ou empírico do que é traduzido pelo ser humano, é difícil conceber uma regra realmente que existe uma única resposta ou que tudo é obra de um deus, meu pensamento me diz que não podemos acreditar apenas na opinião de uma única raça crítica desse planeta, seria preciso uma outra voz que talvez um bicho de 7 cabeças nascesse da terra consciente ou que descesse dos ceus, e tirasse esse maldita duvida que nos faz gerar mil teorias e experimentações;.... meu filme preferido sempre foi olhar as estrelas.
grande abraço!