segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A Dança Cósmica - Stanislav Grof


Podemos agora tentar resumir os insights dos estados holotrópicos descrevendo a existência como uma aventura experimental fantástica da Consciência Absoluta – uma dança cósmica interminável, uma requintada brincadeira, ou drama divino. Em sua criação, o princípio criativo gera a partir de si mesmo e dentro de si mesmo um número incontável de imagens individuais, unidades fragmentadas de consciência, que assumem vários graus de autonomia e independência relativas. Cada uma delas representa uma oportunidade para uma experiência sem par, um experimento da consciência. Com a paixão de um explorador, de um cientista, de um artista, o princípio criativo realiza todas as experiências concebíveis em suas infindáveis variações e combinações.

Nessa brincadeira cósmica, a Consciência Absoluta encontra a possibilidade de expressar sua riqueza interna, sua abundância, e sua imensa criatividade. Através de suas criações ela experimenta miríades de papéis individuais, encontros, intrincados dramas, e aventuras em todos os níveis imagináveis. Essa peça divina de brincadeiras escalona-se desde as galáxias, sóis, planetas em órbitas, luas passando por plantas, animais, homens, até as moléculas, átomos e partículas nucleares. Dramas adicionais desdobram-se nos reinos arquetípicos e em outras dimensões da existência que não estão disponíveis à nossa percepção, quando em nosso estado de consciência do dia-a-dia.

Em infindáveis ciclos de criação, preservação e destruição a Consciência Absoluta supera os sentimentos de monotonia e tédio transcendentais. A negação temporária e perda de seus estados prístinos alterna com episódios de redescobrimento e recuperação. Os períodos que são cheios de agonia, angústia e desespero são seguidos por episódios de bem-aventurança e enlevo extático. Quando a consciência individual indiferenciada é recuperada depois de ser temporariamente perdida, ela é experimentada como excitante, surpreendente, fresca e nova. A existência da agonia dá uma nova dimensão à experiência do êxtase, o conhecimento da escuridão realça a apreciação da luz, e a extensão da iluminação é diretamente proporcional à profundidade da ignorância prévia. Mais que isso, com cada incursão nos mundos fenomenológicos seguido pelo retorno, a Mente Universal é enriquecida pelas experiências dos diferentes papéis envolvidos. Pela concretização de mais uma parte de seu potencial interno, ela aumenta e aprofunda seu auto conhecimento.



Para esse entendimento do processo cósmico é necessário supor que a Mente Universal experimenta conscientemente todos os aspectos da criação, tanto como objetos de observação quanto como estados subjetivos. Ela pode assim explorar não apenas o espectro inteiro das especificamente percepções, emoções, pensamentos e sensações humanas, mas também os estados de consciência de todas as outras formas de vida da árvore evolucionária de Darwin. No nível da consciência das células, ela pode experimentar a excitação do esperma em sua corrida e fusão com o óvulo durante a concepção, bem como a atividade das células do fígado ou dos neurônios do cérebro.

Transcendendo os limites do reino animal e expandindo-se até o mundo botânico, a Consciência Absoluta pode tornar-se numa Sequóia gigante, experimentar a si mesma como uma planta carnívora caçando e digerindo uma mosca, ou participar da fotossíntese nas folhas ou da germinação das sementes. Similarmente, os fenômenos no mundo inorgânico, desde as ligações interatômicas passando depois pelos terremotos e explosões nucleares e até os quasares e pulsares dão margem a interessantes possibilidades experimentais. E desde que nossa psique, em sua essência mais profunda, é idêntica à Consciência Absoluta, essas possibilidades experimentais estão, sob certas circunstâncias, abertas a todos nós.

Quando contemplamos a realidade da perspectiva da Mente Universal, todas as polaridades usualmente experimentadas são transcendidas. Isso aplica-se a categorias tais como espírito/matéria, estabilidade/movimento, bom/mau, feminino/masculino, beleza/feiúra ou agonia/êxtase. Em última análise, não existe diferença absoluta entre sujeito e objeto, observador e coisa observada, experimentador e coisa experimentada, criador e criatura. Todos os papéis no drama cósmico são desempenhados, podemos dizer, por apenas um protagonista, a Consciência Absoluta. Essa é a verdade única mais importante a respeito da existência revelada pelo antigo poema hindu conhecido como Upanishads. Na atualidade, ela pode ser encontrada numa bela expressão artística, o poema intitulado “Por Favor, me Chame pelos Meus Verdadeiros Nomes” do professor budista e vietnamita Thich Nhat Hahn:

Não diga que partirei amanhã
pois eu chego todos os dias.

Olhe profundamente; eu chego em cada segundo
para ser um botão num galho da primavera,
para ser um pequeno passarinho, com asas ainda frágeis
aprendendo a cantar em meu novo ninho,
para ser uma lagarta no coração da flor,
para ser uma jóia escondendo-se numa pedra.

Eu ainda chego, para rir e para chorar,
para ter medo e ter esperança,
o ritmo do meu coração é o nascimento e a morte
de tudo o que está vivo.

Eu sou a efemérida metamorfoseando
na superfície do rio,
eu sou o pássaro que, quando chega a primavera,
aparece a tempo de comer a efemérida.

Eu sou o sapo nadando feliz da vida
na água clara do lago,
e sou a cobra, que, aproximando-se
em silêncio, alimenta-se do sapo.

Eu sou a criança em Uganda, de pele e osso,
de pernas finas como bambu,
eu sou o mercador de armas,
vendendo armas mortíferas para Uganda.

Eu sou a garota de doze anos de idade,
refugiada dentro de um pequeno bote,
que atira-se no oceano
depois de ser estrupada por um pirata do mar,
eu sou o pirata,
meu coração ainda não é capaz de ver e de amar.

Eu sou um membro do Politburo
com plenos poderes nas mãos,
e sou o homem
que tem que pagar o débito de sangue
ao meu povo que morre lentamente num campo de trabalho forçado.

Minha alegria é como a primavera, tão quente que faz
as flores desabrocharem-se em todos os passeios da vida.
Minha dor é como um rio de lágrimas, tão cheio
que enche os quatro oceanos.

Por favor, me chamem pelos meus verdadeiros nomes,
De modo que eu possa ouvir todos os meus gritos e risos ao mesmo tempo,
Do modo que eu possa ver que minha dor e minha alegria são uma só.

Por favor, me chamem pelos meus verdadeiros nomes,
De modo que eu possa acordar e assim a porta de meu coração
possa ser deixada aberta,
a porta da compaixão.
.
"Retirado do livro: O Jogo Cósmico; de Stanislav Grof"

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