terça-feira, 26 de agosto de 2014

Alquimia e redenção da palavra - J. Hillman

Texto retirado do livro "Psicologia alquímica" de James Hillman.

A linguagem conceitual, entretanto, não é uma metáfora autoevidente. Ela é muito contemporânea para ser transparente; estamos vivendo bem imersos nela, e seu mito está acontecendo em tudo que se refere a nós - então ela não tem um senso metafórico embutido. Eu certamente não sei, e não posso perceber, que eu não seja verdadeiramente composto de um ego e um Self, de uma função sentimento e um instinto de poder, de posições depressivas e ansiedades de castração. Isto soa literalmente para mim e, a despeito de minha própria experiência em usar esses termos, há uma inutilidade assombrosa neles. O nominalismo fez com que desacreditássemos em todas as palavras - o que há em um nome? - pois elas são somente "palavras", ferramentas; qualquer outra serviria da mesma forma. Elas não tem substância. 

Mas nossa linguagem psicológica se tornou literalmente real para nós, apesar do nominalismo, porque a psique precisa demonizar e personificar, o que na linguagem torna-se a necessidade de substancializar. A psique anima o mundo em que habita. A linguagem é parte dessa atividade de animação (por exemplo, o discurso onomatopeico com o qual supõe-se que a linguagem "começou"). Se a minha linguagem não preencher essa necessidade de substancializar, a psique vai substanciar de qualquer modo, inesperadamente, endurecendo meus conceitos em coisas físicas ou metafísicas.

Devo insistir que não estou propondo um cancelamento de nossos conceitos e uma restituição dos neologismos arcaicos da alquimia como um novo esperanto para nossa prática e para nossos assuntos. [...] Não é um retorno literal para a alquimia o que é necessário, mas uma restauração do modo alquímico de imaginar. Pois desse modo restauramos a matéria em nosso discurso - e isto, afinal de contas, é nosso objetivo: a restauração da matéria imaginativa, não da alquimia literal. [...]

domingo, 24 de agosto de 2014

Sobre estar vivo - O Sátiro

– Agora você fez a pergunta certa! Respondeu o Sátiro, exibindo um leve sorriso. – Não se trata do caminho que você deve tomar. O mesmo caminho que te levaria para sua aldeia se estivesse vivo, o manteria preso eternamente nessa floresta se estivesse morto. Portanto, como pode ver, a questão não é o caminho. Estar vivo, ao contrário do que possa pensar, não é fazer muitas coisas e preencher o tempo com atividades, mesmo que sejam prazerosas. Podemos fazer muitas coisas interessantes, e isso pode acabar sendo um belo disfarce para nossa morte em vida. Podemos simplesmente ver a vida passar diante de nossos olhos, em uma torrente de acontecimentos, mas sem vive-la de fato. Ficamos parados enquanto a vida escorre através de nós. Estar vivo é permitir que o mundo te toque, e não tentar agarrar o mundo. O segredo do toque é o calor! O toque da vida traz aquele calor brando e contínuo que nos mantém animados. Se não permitimos ser tocados pela vida, morremos congelados. Estar vivo é se ausentar dessa ausência que te aliena do agora. Veja que ironia, seus amigos o chamam de Pedro o ausente! Pois se ausente! Ausente-se da sua própria ausência. Esse é o segredo de estar vivo. Você trabalha com tanto afinco em uma salina e nunca se deu conta de que para viver basta usar o sal! É preciso salgar a vida. Quando salgamos a vida ela ganha viscosidade. Sabe, é preciso que a vida seja viscosa em um ponto ideal; para que não escorra completamente entre seus dedos, mas para que também não fique demasiadamente grudada em sua pele. É importante que permaneça fluida e ao mesmo tempo aderente, no ponto certo. Isso é estar vivo! Estando vivo, escolha qualquer caminho que ele te levará de volta a sua aldeia.


quarta-feira, 16 de julho de 2014

A falência do gênero e suas implicações clínicas - Luís Paulo B. Lopes

Texto de Luís Paulo B. Lopes

Há inúmeros debates na contemporaneidade envolvendo a questão do gênero sexual. O que é ser homem? O que é ser mulher? Há algo de fato que determine o que é ser homem ou mulher? Seria isso determinado pela biologia? Ou o gênero é uma construção unicamente cultural? Que tipos de atravessamentos psicológicos estão envolvidos na questão da delimitação do gênero sexual? Essa é uma questão atual, mas não tão atual assim. Ainda na era da revolução industrial, com a necessidade de mão de obra para trabalhar em fábricas gigantescas, as mulheres foram convocadas a abandonar aquilo que a sociedade considerava próprio do gênero feminino para entrar no mundo masculino do mercado de trabalho. Talvez esse tenha sido o primeiro movimento feminista massivo e essas mulheres certamente não saíram impunes por transgredir uma norma social cristalizada. O feminismo enquanto ideologia, posteriormente, iria se aprofundar no questionamento do lugar da mulher na sociedade, gerando mudanças profundas em como a sociedade entende o que é ser mulher e, portanto, o que é permitido para a mulher. O movimento LGBT (ou LGBTTT) deu novo coro ao debate de gênero, com questões relativas à orientação sexual e principalmente sobre identidade de gênero. Tenho notado que esses debates atuais normalmente são inflamados, onde revolucionários tentam derrubar os sólidos muros do status quo por um lado, enquanto que outros tentam defender com todas as forças aquilo que acreditam ser fundamental para a saúde e o bom funcionamento da sociedade. A inflamação dos discursos, que chega às vias da ofensa, da agressão, de prisões e da morte, repousa no antagonismo arquetípico Senex vs. Puer; e lembram as guerras santas. Não estou na posição de defender quaisquer destas ideologias. Minha intenção é observar as implicações psicológicas massivas que esse processo de mudança social está trazendo. Ocorreram muitas mudanças sociais importantes envolvendo o lugar da mulher na sociedade, muitas ainda estão acontecendo e muitas ainda vão acontecer. Com mudanças sociais tão profundas não poderíamos esperar que os indivíduos saíssem imunes. As consequências destas mudanças começam então a inundar os consultórios dos psicólogos.


sábado, 5 de julho de 2014

Resposta à Hillman: sobre herói, ego e Self - Luís Paulo Lopes

Texto de Luís Paulo B. Lopes

Este texto é uma crítica a Hillman, ou melhor, não à Hillman, mas a questões relativas ao ego, ao herói e ao Self na psicologia arquetípica. Considero Hillman um autor que traz excelentes contribuições à psicologia e que particularmente gosto muito. No entanto, há algumas questões que, em minha opinião, merecem algumas ressalvas. Por exemplo, a definição do herói em Hillman não encontra substrato arquetípico que a justifique. O herói, para ele, está associado à usurpação do trono dos deuses pelo ego. No entanto, nos mitos não vemos o herói como alguém que sozinho consegue realizar proezas; e por isso, inversamente ao que Hillman diz, o herói não estaria relacionado ao individualismo – ao indivíduo autocentrado. É necessário voltarmos aos mitos e contos de fada para entendermos o herói, ou como diria Hillman, voltarmos à imaginação. Pois é a alma e sua potência à criação de imagens que serve de substrato fundamental para entendermos não somente o herói, mas todas as pessoas arquetípicas da alma. Pois no mundo imaginal dos mitos e contos de fada, o herói nunca obtém nada sozinho, ao contrário, aquele que tenta realizar suas façanhas sozinho, sem os deuses, sempre fracassa. Os mitos nos mostram que o herói está sempre submetido aos deuses e esse é o motivo de na mitologia grega existir o conceito de hybris, que se refere à característica dos heróis em exceder os limites impostos pelos mesmos. Mas sempre que excedem os limites divinos impostos aos mortais sofrem consequências, que lhes são impostas justamente pelos deuses, e são exatamente estas consequências que acabam botando o herói de frente para seu destino. Isso quer dizer que são também os deuses, e não somente o herói solitário, os responsáveis pelos feitos heróicos. O herói está sempre submetido aos deuses e nunca depende apenas de si mesmo. Édipo aprendeu isso com enorme pesar!


quarta-feira, 18 de junho de 2014

Mitologia e psicopatologia - J. Hillman

Texto de James Hillman retirado do livro "Re-vendo a psicologia"

Ao supor que uma doença psicológica é a encenação de uma fantasia patologizante, o procedimento da psicologia arquetípica é a busca pelos archai, os princípios regentes, ou raízes metafóricas, da fantasia. A psicologia arquetípica tenta dar sentido ao patologizar através da parecença com um pano de fundo arquetípico, de acordo com o princípio postulado por Plotino - "Todo o saber vem da semelhança" - e seguindo o método que ele também iniciou chamado "reversão" (epistrophé) - a ideia de que todas as coisas desejam retornar ao original arquetípico do qual são cópias, e dos quais derivam. O patologizar, da mesma forma, é examinado em termos de semelhança, e imaginado como abrigando a intenção de retornar a um background arquetípico. 

Qual padrão arquetípico é como meu comportamento e minha fantasia presentes? Com quem sou parecido naquilo que faço e sinto? "Semelhança" aqui se refere à ideia de que aquilo que é concretamente manifestado na psique individual tem sua semelhança num punhado de parecenças arquetípicas onde o patologizar que me acontece encontra lugar, faz sentido, tem necessidade, e para as quais o patologizar pode ser "revertido". Essas parecenças arquetípicas são muito bem apresentadas nos mitos em que as pessoas arquetípicas às quais me assemelho e os padrões que estou representando têm seu lar autêntico. 

É para esse reino mítico que retorno todas as fantasias. A autenticação das fantasias de doença não está na natureza, mas na psique; não na doença literal, mas na doença imaginal; não na psicodinâmica de configurações reais, do passado ou do presente, mas nas figuras míticas que são as eternas metáforas da imaginação, os universais da fantasia. Essas figuras míticas, como minhas aflições, são "trágicas, monstruosas e não naturais", e seus efeitos sobre a alma, como minhas aflições, "perturbam ao excesso". Apenas na mitologia a patologia recebe um espelho adequado, já que os mitos falam com a mesma linguagem distorcida e fantástica. 

Patologizar é um modo de mitologizar. Patologizar nos arranca do imediatismo cego, distorcendo nosso foco no natural e no real ao forçar-nos a perguntar sobre o que há dentro e por trás deles. A distorção é, ao mesmo tempo, uma intensificação e uma nova clarificação, relembrando a alma de sua existência mítica. Na agonia do patologizar, a psique passa por uma reversão a um estilo mítico de consciência. A psicanálise enxergou isto, mas o condenou como regressão a níveis mágicos, primitivos. Porém, a psique reverte-se não apenas para escapar da realidade, como também para encontrar outra realidade na qual o patologizar faz um novo sentido. 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Alma - J. Hillman

Texto retirado do livro "Re-vendo a psicologia" de James Hillman

A psicologia sempre tem a oportunidade de enxergar através de suas principais convicções e posições. Ela pode levar a reflexão psicológica para ela mesma. Ela pode então dissolver a crença literal em pessoas ao repersonificá-las em metáforas. Então, a personalidade pode ser imaginada de um novo jeito: que sou uma pessoa impessoal, uma metáfora encenando múltiplas personificações, mimético às imagens no coração que são meu destino, e que esta alma que me projeta tem profundezas arquetípicas que são estranhas, inumanas e impessoais. A minha assim chamada personalidade é uma persona através da qual a alma fala. Está sujeita à despersonalização e não é minha, mas depende totalmente da bênção da crença em mim mesmo, uma fé dada através da anima no meu valor como portador de alma. Não sou eu quem personifico, mas a anima que me personifica, ou faz-se a si mesma através de mim, dando à minha vida o seu (dela) sentido - seu intenso sonhar acordado em meu "eu-mesmo;" e "eu", um vaso psíquico cuja existência é uma metáfora psíquica, um ser "como-se", no qual cada crença é um literalismo, exceto a crença na alma cuja fé me pressupõe e me torna possível como uma personificação da psique.

sábado, 31 de maio de 2014

Individuação, Self e Homem - C. G. Jung

Texto de C. G. Jung retirado do livro "Resposta a Jó"

Este acontecimento metafísico [a tendência divina a encarnar no homem empírico para nele se realizar] é conhecido pela psicologia do inconsciente como processo de individuação. Como, em geral, ele se tem realizado sempre de modo inconsciente, não pode ser entendido se não no sentido em que a glande se transforma em carvalho, o bezerro em boi e a criança em adulto. Mas, para que se tome consciência do processo de individuação, é preciso que a consciência seja confrontada com o inconsciente e se chegue a um equilíbrio entre os opostos. Como isso é logicamente impossível, necessitam-se de símbolos que sirvam para tornar visível a união irracional dos contrários. Estes símbolos são produzidos espontaneamente pelo inconsciente e ampliados pela consciência. Os símbolos centrais deste processo descrevem o si-mesmo [Self], isto é, a totalidade do homem, de um lado, por meio daquilo que lhe é consciente e, de outro, por meio do conteúdo inconsciente. O si-mesmo é o homem completo, cujos símbolos são o menino divino ou seus sinônimos. Este processo que aqui esboçamos apenas sumariamente pode ser pode ser observado no homem moderno, ou podemos lê-lo nos documentos da filosofia hermética medieval que versam sobre ele; quando se conhece tanto a psicologia do inconsciente quanto a alquimia, fica-se espantado com o paralelismo dos respectivos símbolos. 

É grande a diferença que medeia entre o processo natural de diferenciação que transcorre de modo inconsciente, e o processo de individuação que se torna consciente. No primeiro caso, a consciência não intervém de modo algum. Por isto o seu final é tão obscuro quanto o seu começo. No segundo caso, porém, são tantos elementos obscuros que vêm à luz, que a personalidade é como que radiografada, ao mesmo tempo que a consciência ganha infalivelmente em amplidão e percepção. A confrontação entre a consciência e o inconsciente faz com que a luz brilhe nas trevas, e não somente seja compreendida pelas trevas, como também as compreenda. O filius solis et lunae [filho do sol e da lua] é, a um só tempo, símbolo e possibilidade de união dos contrários. É o A e o Ω do processo, o Mediador e o Intermedius. "Habet mille nomina" (tem mil nomes), dizem os alquimistas, indicando, com isto, que a causa de onde decorre o processo de individuação e para qual este processo tende é um ineffabile [inefável] sem nome.


terça-feira, 27 de maio de 2014

O Destino de Deus - C. G. Jung

Texto de C. G. Jung retirado do livro "Resposta a Jó" (§647 - 648)

Nota-se no caráter de Cristo, além de seu amor para com os homens, uma certa irritabilidade e uma falta de autorreflexão, como acontece frequentemente com os temperamentos emotivos. Não se encontra em parte alguma uma indicação de que Cristo se tenha admirado consigo mesmo. Parece que ele não se sente confrontado consigo mesmo. Existe apenas uma exceção a esta regra, o seu grito de desespero na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" Sua natureza humana atinge aqui a divindade e no momento em que Deus vive a experiência do homem mortal e sente em si próprio os sofrimentos pelos quais fizera passar o seu fiel servidor Jó. É aqui que se responde a Jó e, como se pode ver, é um momento ao mesmo tempo divino e humano, "escatológico" e "psicológico". O motivo divino se acha presente, de forma impressionante, neste momento em que se pode sentir o homem em toda a sua dimensão. Os dois são uma só e mesma coisa. Como é que se pretende desmitizar aqui a figura de Cristo? Uma tentativa racionalista desta espécie nada mais faria, evidentemente, do que esvaziar o mistério desta personalidade, e o que restasse não seria mais o nascimento e o destino de um Deus no tempo, mas a figura de um reformador judeu interpretado e entendido erroneamente em sentido helenístico, algo assim como um Pitágoras, um Buda, ou um Maomé, mas jamais como um filho de Deus ou um Deus feito homem. Além do mais, parece que tais pessoas não percebem com suficiente clareza que espécies de reflexão um Cristo isento de toda escatologia por força haveria de provocar! Existe hoje uma psicologia empírica, embora a teologia tudo faça por ignorá-la, e certas afirmações de Cristo poderiam ser rigorosamente analisadas por ela. Em outras palavras: se desvincularmos estas afirmações da sua relação com o mito, não haverá outra maneira de interpretá-las senão em sentido pessoal. Mas se reduzíssemos afirmações como esta: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim", a uma psicologia pessoal, a que conclusão chegaríamos? É claro que à mesma a que chegaram os parentes de Jesus, ao afirmarem: "Ele está fora de si". Que sentido terá uma religião sem mito, se sua função, quando realmente existe, é precisamente a de nos ligar ao mito eterno?


terça-feira, 13 de maio de 2014

Evolução espiritual? - Luís Paulo Lopes

Texto de Luís Paulo Lopes

Não acho apropriada a idéia de evolução espiritual enquanto uma escala hierárquica crescente. Acho praticamente, se não completamente, impossível dosar se alguém é mais "evoluído" que outrem, do ponto de vista de quem se é. Na verdade, superficialmente é fácil fazer esse julgamento com base em preceitos arbitrários, mas no fundo, ninguém está apto a julgar um suposto progresso espiritual de uma segunda pessoa. Eu concordaria com o emprego da palavra evolução somente no sentido de transformação, mas nesse caso não há hierarquia possível. Nessa perspectiva a evolução seria o próprio devir, o fluir da vida eternamente mutável. Quando a palavra evolução é utilizada para definir quem supostamente está mais “adiantado” no caminho espiritual, pode funcionar de forma nociva. Já que cria um ideal definido do que seria “a meta”, isto é, define as características de comportamento e caráter da pessoa que supostamente “chegou lá”. Esse ideal do “homem-santo” certamente varia entre diferentes grupos, mas o fato é que os praticantes podem tender a imitar o ideal de pessoa evoluída do grupo a que pertencem. E é aqui que a idéia de evolução espiritual pode fazer o oposto daquilo a que se propõe. Já que, ao invés da pessoa ser quem realmente é, passa a ser aquilo que o grupo acredita ser o ideal. Deste modo, há uma alienação de si mesma em formas artificiais, pobres e sem autenticidade. E o pior de tudo, apesar disso acredita-se que está num degrau superior da escada espiritual. 

Meu ponto de vista é de que virtudes não devem ser imitadas à força, mas devem se manifestar naturalmente dentro da verdade de cada um. A imitação da virtude certamente virá acompanhada do orgulho e em público se tornará vaidade; a vaidade (que tantas vezes nos pega pelo pé) por sua vez “fecha o céu”, quer dizer, impede qualquer abertura ao sagrado. Assim, o ego se apropria da espiritualidade e a utiliza para fortalecer sua posição contra Deus; a hybris! Tenho a opinião de que as virtudes se desenvolvem a partir de um processo de amadurecimento que envolve a personalidade total. Como que um fruto doce, que precisa de uma árvore forte e sadia para poder nascer. Um fruto não pode surgir simplesmente a partir da vontade, assim como o desejo de uma virtude não tornará ninguém virtuoso. A virtude simplesmente nasce a partir de quem nós somos!

domingo, 11 de maio de 2014

Maldição Familiar - Liz Greene

Texto de Liz Greene retirado do livro: "A astrologia do destino".

As famílias são organismos, e a vida psíquica de um emaranhado familiar é um circulo fechado, onde dramas emocionais antigos e muitas vezes violentos são encenados na escuridão secreta do inconsciente. Nada é visto até que se procure ajuda profissional para um filho "com distúrbios" e aí, de forma incrivelmente lenta e muitas vezes enfrentando uma árdua oposição, os fios que tecem o conto são desembaraçados e o que aparentava ser a "doença" individual vai-se revelando cada vez mais evidentemente como um complexo familiar não resolvido. [...]. Mas há outras coisas além de conflitos instintivos que são transmitidos na família, podendo ostentar tanto uma face criativa quanto destrutiva. O mito, novamente, é uma fonte de imenso valor para a compreensão dos padrões arquetípicos que dominam famílias geração após geração. A imagem da maldição familiar, tão cara aos mitos gregos, é um retrato vivo do legado invisível da linhagem familiar e que personifica a experiência do destino familiar. [...]

Da perspectiva da psicologia profunda, as "características do sistema" que exercem tão poderosa influência na pessoa, em termos comportamentais e intrapsíquicos, não são assim tão diferentes dos deuses em guerra no drama de Orestes. Em outras palavras, essas características não são apenas padrões de hábito da comunicação e da atribuição de papéis estabelecidos pelo tempo, que determinam se sua mãe sempre deve sofrer ou ser mediadora de brigas, o pai sempre deve manifestar a raiva e a violência, ou se o filho ou a filha é asmático, anoréxico, obeso ou de alguma forma identificável como "o doente". As características do sistema, em última análise, são arquétipos, o âmago dos padrões ou modos de percepção e expressão cujo melhor retrato é a imagem mítica. Passam de geração em geração da mesma forma que a maldição da casa de Atreu [referência ao mito de Tântalo]. Não estou em condições de fazer comentários sobre sobre a existência de um aspecto genético nessa herança psíquica. Porém, mesmo assim, ainda teríamos a questão de uma herança. [...]