terça-feira, 13 de maio de 2014

Evolução espiritual? - Luís Paulo Lopes

Texto de Luís Paulo Lopes

Não acho apropriada a idéia de evolução espiritual enquanto uma escala hierárquica crescente. Acho praticamente, se não completamente, impossível dosar se alguém é mais "evoluído" que outrem, do ponto de vista de quem se é. Na verdade, superficialmente é fácil fazer esse julgamento com base em preceitos arbitrários, mas no fundo, ninguém está apto a julgar um suposto progresso espiritual de uma segunda pessoa. Eu concordaria com o emprego da palavra evolução somente no sentido de transformação, mas nesse caso não há hierarquia possível. Nessa perspectiva a evolução seria o próprio devir, o fluir da vida eternamente mutável. Quando a palavra evolução é utilizada para definir quem supostamente está mais “adiantado” no caminho espiritual, pode funcionar de forma nociva. Já que cria um ideal definido do que seria “a meta”, isto é, define as características de comportamento e caráter da pessoa que supostamente “chegou lá”. Esse ideal do “homem-santo” certamente varia entre diferentes grupos, mas o fato é que os praticantes podem tender a imitar o ideal de pessoa evoluída do grupo a que pertencem. E é aqui que a idéia de evolução espiritual pode fazer o oposto daquilo a que se propõe. Já que, ao invés da pessoa ser quem realmente é, passa a ser aquilo que o grupo acredita ser o ideal. Deste modo, há uma alienação de si mesma em formas artificiais, pobres e sem autenticidade. E o pior de tudo, apesar disso acredita-se que está num degrau superior da escada espiritual. 

Meu ponto de vista é de que virtudes não devem ser imitadas à força, mas devem se manifestar naturalmente dentro da verdade de cada um. A imitação da virtude certamente virá acompanhada do orgulho e em público se tornará vaidade; a vaidade (que tantas vezes nos pega pelo pé) por sua vez “fecha o céu”, quer dizer, impede qualquer abertura ao sagrado. Assim, o ego se apropria da espiritualidade e a utiliza para fortalecer sua posição contra Deus; a hybris! Tenho a opinião de que as virtudes se desenvolvem a partir de um processo de amadurecimento que envolve a personalidade total. Como que um fruto doce, que precisa de uma árvore forte e sadia para poder nascer. Um fruto não pode surgir simplesmente a partir da vontade, assim como o desejo de uma virtude não tornará ninguém virtuoso. A virtude simplesmente nasce a partir de quem nós somos!

Embora eu discorde do uso do termo evolução espiritual, enquanto escala hierárquica, não posso deixar de concordar que há um processo de maturação em cada um de nós, que se dá ao longo do tempo, e que certamente depende de nossa abertura. Amadurecemos. Isto é um fato. Não somos hoje quem fomos ontem. A vida está sempre em movimento. Nesse sentido, subimos nossos próprios degraus espirituais com o tempo, os degraus que nos levam a quem realmente somos. Não se trata de uma escada comum a todos, que começa na terra e sobe ao céu, em que há pessoas lá em cima e outras cá em baixo; mas uma escada que nos leva ao nosso próprio coração, que paradoxalmente é o coração de Deus. 

Gosto de pensar a vida como um rio que flui para a morte. E o processo de desenvolvimento espiritual, que prefiro chamar de desenvolvimento humano, como uma preparação para a morte. O desenvolvimento humano pra mim é a arte do envelhecimento, do saber envelhecer com integridade e talvez do morrer com dignidade. Utilizar o termo “desenvolvimento humano” ao invés de espiritual me parece oportuno, pois afasta a idéia de algo sobre-humano, algo que, portanto, não estaria nas coisas banais. A meu ver, é justamente nas coisas consideradas banais em que está a verdadeira e autêntica espiritualidade. É na simplicidade e no comum em que está o sagrado. É a pedra rejeitada pelo construtor que se torna a pedra angular da edificação. É verdade que a arte de envelhecer passa pelo crescente reconhecimento dos aspectos transpessoais da psique, daquilo em nós (e no mundo!) que nos ultrapassa. Parece-me que a vida adquire mais sentido e se torna de fato viva, quando reconhecemos, a Sabedoria do mistério de Deus. A arte de envelhecer, nessa perspectiva, implica o desenvolvimento de um ego forte, no sentido de aguentar as tensões com firmeza. Um ego forte aprende a aceitar o destino, a aceitar aquilo que a vida lhe traz. É capaz de se abrir para o amor e a compaixão e se ajoelhar diante daquilo que lhe é maior. Acho tão bonito ver a vida como um simples envelhecer; como uma preparação árdua, em que é preciso coragem, para o ato final que é a morte.

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