sábado, 4 de outubro de 2008

Modelos

Incontáveis grãos
Modelos de explicação
Criatividade que flui em mim
Grãos brotando sem fim

Na peneira-entendimento
fechou o paradoxo
em mistério e contradição?
ou abriu em sentido e compreensão?

Tão belo foi o grão
Que passou da peneira
e abriu na minha mão
Me trouxe outro olhar
Permaneceu...
Até não mais se sustentar

Medo de perder o chão
Criando pra ter onde me agarrar
Acreditar...
Na confusão afundo
e me perco sem querer olhar
a simplicidade daquilo que é


Luís Paulo Lopes

domingo, 14 de setembro de 2008

Shunyata: "O que é" é "o que é" - Chogyam Trungpa

Shunyata — o nada, o vazio, a vacuidade, a ausência de dualidade e conceituação. O mais conhecido dos ensinamentos de Buda sobre o assunto é apresentado no Prajnaparamita-hridaya, também chamado Sutra do Coração; (...)

Disse Avalokiteshvara: "O, Shariputra, a forma é vazia, o vazio é forma; a forma não é mais do que o vazio, o vazio não é mais do que a forma." Não precisamos descer aos pormenores do diálogo deles, mas podemos examinar essa afirmação a respeito da forma e do vazio, que é o ponto principal do sutra. E por isso precisamos ser muito claros e muito precisos acerca do significado do termo "forma".

Forma é o que é antes de projetarmos nossos conceitos sobre ela. É o estado original do "que está aqui", as qualidades coloridas, vividas, impressionantes, dramáticas, estéticas, que existem em todas as situações. Forma pode ser uma folha caindo de urna árvore e pousando num rio que desce de uma montanha; pode ser a plena claridade do luar, uma sarjeta na rua ou um monte de lixo. Essas coisas são "o que é", e, num sentido, são todas idênticas: todas são formas, todas são objetos, todas são precisamente "o que é". As avaliações que lhes dizem respeito são formadas mais tarde em nossa mente. Se efetivamente olharmos para as coisas como elas são, veremos que são apenas formas.

Portanto, a forma é vazia. Mas vazia do quê? A forma é vazia de nossas idéias preconcebidas, vazia dos nossos julgamentos. Se não avaliarmos e categorizarmos a folha da árvore que cai e pousa na corrente de água como oposta ao monte de lixo, então, ambos estarão ali, serão “o que é”. Eles são vazios de preconceitos. São precisamente o que são, naturalmente! O lixo é lixo, a folha da árvore é a folha da árvore, "o que é" é "o que é". A forma será vazia se a virmos na ausência de nossas próprias interpretações dela.

sábado, 13 de setembro de 2008

Natureza da realidade: Budismo e Ciência - Lama Padma Samten


Lama Padma Samten - físico e budista.

O que aconteceu (...), foi eu perceber a grande profundidade do pensamento budista e como ele poderia me levar além dos paradigmas usuais da ciência. Resumindo, me dei conta de que o cientista pode até perceber o fato de que a realidade para a qual ele olha é inseparável da realidade que ele tem dentro, porém, está sempre mais preocupado com a realidade que está fora, porque é assim que ele faz sua busca. Vai sempre olhar o que está fora. Quando me deparei com esta questão do dentro-fora, vi que o espaço interno é muito maior do que o externo. Foi nesse momento que fundei o Centro de Estudos Budistas Bodisatva e propus ao Departamento de Filosofia da UFRGS, e mais tarde ao Departamento de Física, a criação de uma disciplina que tratasse desses elementos ligados à cognição, à compreensão do saber, de como nós sabemos, como nós aprendemos e entendemos, mas especialmente de como nós nos enganamos. Tratando dessas questões, de qual é o erro do cientista, porque os cientistas comprovam experimentalmente suas teorias e mesmo assim elas mudam. É espantoso, porque elas são comprovadas experimentalmente, mas mesmo assim, mudam, não perduram.


sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Budismo e a Condição Humana

O presente texto é a tradução de uma palestra promovida pela Ordem Monástica Karma Teksum Chohorling, pronunciada em língua tibetana e traduzida para o inglês por intérprete tibetano, em dezembro de 1988, no Rio de Janeiro.


Todos nós, seres sensoriais, desejamos nos libertar do sofrimento e da dor. Com este sincero desejo de libertação nos dedicamos a todas as atividades, e tudo a que nos dedicamos a todas as atividades, e tudo a que nos dedicamos visa a libertação de mais sofrimento.

Enquanto prosseguimos nossas vidas, é difícil e raro que consigamos o que buscamos ser feliz com o que atingimos. Tão pronto chega-se a algo, há felicidade superficial e, por trás disto, impossibilidade de satisfação. Quanto mais temos, mais insatisfeito no sentimos, ou seja, há a ausência de um sentido de moderação. A mente, por seus hábitos, não conhece limites, e daí mais e mais sofrimentos decorrem. Assim, o sofrimento é contínuo. Isto não são palavras, mas é experiência.

Como não realizar a liberdade se a procuramos? A questão é que nossa abordagem é confusa com respeito ao sofrimento. Nossa abordagem é ficar livre do sofrimento, mas não sabemos como encontrar o conhecimento de olhar internamente a causa do sofrimento. Quando nos libertamos da prática externa e da experiência do sofrimento, nos libertamos só na superfície, sem tocar no aspecto fundamental . O que fazemos é tentar evitar a experiência do sofrimento. Temos a noção de que sofrimento é algo errado, algo externo, e tentamos ficar afastados tanto quanto possível. A fuga não dá frutos sem que se localize a causa deste sofrimento, e sem dela nos libertarmos não nos libertaremos de sua experiência. É equivocado pensar em agastar-se da experiência sem afastar-se da causa.

É uma visão errada colocar sofrimento com algo externo, como originado de fora. O sofrimento depende de circunstâncias externas, mas estas não são a causa-em-si do sofrimento. Quando permitimos que o exterior nos influencie, isto é uma permissão.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Transformação Individual e o Futuro do Planeta - Stanislav Grof

Nas últimas poucas décadas, tem se tornado cada vez mais claro que a humanidade está enfrentando uma crise de proporções sem precedentes. A ciência moderna desenvolveu medidas efetivas que poderiam resolver a maior parte dos problemas urgentes do mundo atual – combate à maioria das doenças, eliminar a pobreza e a fome, reduzir a quantidade do desperdício industrial e substituir os combustíveis não renováveis por fontes de energia limpa.

Os problemas que permanecem no caminho não são de natureza econômica e tecnológica. A fonte profunda da crise global está dentro da personalidade humana e reflete o nível de evolução de nossa espécie. Por causa das forças não domadas da psique humana, recursos inimagináveis estão sendo desperdiçados no absurdo da corrida armamentista, luta pelo poder e a perseguição de metas como “crescimento ilimitado.” Esses elementos da natureza humana também impedem uma distribuição mais apropriada das riquezas entre as nações e os indivíduos, bem como a reorientação da ênfase puramente política e econômica para as prioridades ecológicas que são essenciais para a manutenção da vida no planeta.

As negociações diplomáticas, as medidas legais e administrativas, as sanções econômicas e sociais, as intervenções militares e outros esforços semelhantes tiveram muito pouco sucesso até o momento. De fato, eles na realidade produziram mais problemas que soluções. Está se tornando cada vez mais clara a razão pela qual tais medidas só poderiam falhar. Em primeiro lugar, é impossível aliviar a crise pela aplicação de estratégias baseadas apenas na ideologia que a criou. Em última análise, a crise global atual é de natureza psico/espiritual. Desse modo é difícil imaginar que ela pudesse ser resolvida sem a transformação interna radical da humanidade e sua elevação a um nível mais alto de maturidade emocional e consciência espiritual.

Considerando o papel de destaque da violência e da ganância na história humana, a possibilidade de transformação da humanidade atual em um conjunto de indivíduos capazes de uma coexistência pacífica com seus companheiros dos sexos masculino e feminino, a despeito das diferenças de cor, raça e convicção política e religiosa, sem falar nas outras espécies, certamente não parece muito plausível. Estamos enfrentando um desafio tremendo de instalar na humanidade profundos valores éticos, sensibilidade para as necessidades dos outros, simplicidade voluntária e um agudo senso para com os imperativos ecológicos. Num primeiro relance, essa tarefa parece ser utópica e não realista e não oferecer nenhuma real esperança.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A Prática e a Natureza da Mente

Todos têm a possibilidade da liberdade completa que não gozamos hoje. Neste estado atual, ainda estamos na experiência de sofrimento. Enquanto tivermos a mente consciente, a experiência de iluminação não estará separada da mente iluminada. Devido ao dualismo, não somos capazes de reconhecer isto.

A fixação dualística separa sujeito e objeto. Nossa qualidade básica é o vazio, a ausência de forma, qualidade ou ponto de referência. Quando não reconhecemos a característica de nossa mente, ficamos presos à mente dual.

Devido à característica da mente vazia, existe o surgimento não-obstruído da mente. Esta compreensão não-obstruída é que se chama de clareza ou luminosidade da mente. Não reconhecendo a existência não-condicionada da mente, temos a noção de "objeto" ou "outro" e nos fixamos nisto. A existência da mente é livre de surgimento e desaparecimento, de obstruções e sensações, e de fixação em um ponto. Assim, a natureza da mente é a inseparabilidade entre luminosidade e vazio.

Quando falamos em termos de sabedoria suprema ou verdade absoluta, falamos desta inseparabilidade. Não estamos falando de nada fora da própria mente. Tal natureza é a natureza de todos os fenômenos. Assim, focando o ponto de vista confuso, vemos imagens externas e jogos projetados pela mente.


segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sobre a Entrega - Chögyam Trungpa

Entregar-nos também significa reconhecer as qualidades cruas, rudes, desajeitadas e chocantes do nosso ego, reconhecê-las e renunciar a elas. Geralmente, achamos muito difícil mostrar e entregar as qualidades nuas e cruas do nosso ego. Embora possamos odiar-nos, ao mesmo tempo, vemos neste auto-ódio uma espécie de serventia. Apesar de não gostarmos do que somos e acharmos penosa nossa auto-condenação, ainda assim não conseguimos abrir mão deste fato completamente. Se começamos a renunciar nossa autocrítica, podemos sentir que estamos perdendo a nossa ocupação, como se alguém estivesse tirando o nosso emprego. Não teríamos nenhuns outros afazeres, se tivéssemos que renunciar a tudo; não haveria coisa alguma a que nos agarrar. A auto-avaliação e a autocrítica são, basicamente, tendências neuróticas que decorrem do fato de não termos suficiente confiança em nós mesmos, "confiança" no sentido de ver o que somos, saber o que somos, saber que podemos permitir-nos uma abertura. Podemos permitir-nos a entrega dessa qualidade neurótica nua e crua do eu, e deixar para trás o fascínio, deixar para trás as idéias preconcebidas. (...)

A decepção é o melhor veículo que podemos usar no caminho do dharma. Ela não confirma a existência do nosso ego nem de seus sonhos. Entretanto, se estamos envolvidos com materialismo espiritual, se encaramos a espiritualidade como parte de nosso acúmulo de aprendizado e virtudes, se a espiritualidade se transforma num meio de nos formar a nós mesmos, o curso de todo o processo de entrega está completamente distorcido. Se consideramos a espiritualidade um meio de adquirirmos conforto, toda vez que tivermos uma experiência desagradável, uma decepção, tentaremos racionalizá-la: "É claro que isto deve ser um gesto de sabedoria da parte do guru, pois eu sei, tenho certeza de que ele não faz nada que seja prejudicial. Guruji é um ser perfeito e tudo o que faz está certo. Tudo o que faz, não importa o quê, Guruji faz por mim, porque está do meu lado. Por isso estou em condições de me abrir. Posso entregar-me com segurança. Sei que estou seguindo pelo caminho certo." Há qualquer coisa não muito certa numa atitude assim. Na melhor das hipóteses, ela é simplista e? ingênua. Ficamos cativados pelo aspecto impressionante, inspirador, digno e pitoresco de "Guruji". Não ousamos ter um outro ângulo de visão. Desenvolvemos a convicção de que tudo quanto vivenciamos faz parte do nosso desenvolvimento espiritual. "Eu consegui. Eu vivenciei a experiência. Sou uma pessoa que se fez por si mesma e sei quase tudo, porque li livros e eles confirmam minhas crenças, minhas idéias, que eu tenho razão. Tudo coincide."

domingo, 17 de agosto de 2008

Sobre as Quatro Nobres Verdades - Chögyam Trungpa

É preciso começar vendo a realidade de duhkha, palavra sânscrita que significa "sofrimento", "insatisfação" ou "dor". Ocorre a insatisfação porque a mente gira de tal maneira que o seu movimento parece não ter princípio nem fim. Os processos do pensamento continuam indefinidamente: pensamentos do passado, pensamentos do futuro, pensamentos do presente. Isso gera irritação. Os pensamentos estimulados pela insatisfação são também idênticos a ela, duhkha, a sensação constantemente repetida de que alguma coisa está faltando, está incompleta em nossa vida. Seja como for, alguma coisa não está bem certa, não o bastante. Vivemos tentando preencher a lacuna, endireitar as coisas, encontrar aquela pontazinha extra de prazer ou segurança. A contínua ação da luta e da azáfama é exasperante e dolorosa. Finalmente, começa a irritar-nos o simples fato de sermos quem somos, de sermos "nós".

Desse modo, compreender a verdade de duhkha é realmente compreender a neurose da mente. Somos impelidos para cá e para lá com muita energia. Quer comamos, quer durmamos, quer trabalhemos, quer joguemos, seja o que for que façamos, a vida contém duhkha, insatisfação, dor. Se nos agrada o prazer, receamos perdê-lo; esforçamo-nos por lograr mais e mais prazer ou tentamos retê-lo. Se sofremos dor, desejamos fugir dela. Experimentamos insatisfação o tempo todo. Todas as atividades encerram insatisfação ou dor, continuamente.


Seja como for, modelamos a vida de um modo que nunca nos dá tempo de provar-lhe o sabor. Há um contínuo estar ocupado, uma contínua busca do momento seguinte, uma contínua característica gananciosa de viver. Isso é duhkha, a Primeira Nobre Verdade. Compreender e enfrentar o sofrimento é o primeiro passo.

Tendo-nos tornado agudamente cônscios da nossa insatisfação, começamos a buscar uma razão para ela, a sua origem. Examinando nossos pensamentos e ações descobrimos que estamos sempre lutando para nos manter e destacar. Compreendemos que a luta é a raiz do sofrimento. Então, procuramos compreender o processo da luta: isto é, como o ego se desenvolve e opera. Esta é a Segunda Nobre Verdade, a verdade da origem do sofrimento.

O Poder Separador do Mal - Stanislav Grof


Algumas das pessoas que experimentaram um encontro pessoal com o Mal Cósmico tiveram alguns insights interessantes a respeito de sua natureza e função no esquema universal das coisas. Elas viram que esse princípio está intrincadamente entretecido na textura da existência e que ele permeia em formas cada vez mais concretas todos os níveis da criação. Suas várias manifestações são expressões da energia que faz com que as unidades projetadas da consciência sintam-se separadas umas das outras. Ela também as alienam de sua fonte cósmica, a Consciência Absoluta indiferenciada. Desse modo elas são impedidas de perceber sua identidade com sua fonte e também de perceber sua unidade básica de umas com as outras.

Desse ponto de vista, o mal está intimamente ligado ao dinamismo ao qual me referi anteriormente como “dissociação”, “trabalhos em tela” ou “esquecimento”. Desde que a brincadeira divina, o drama cósmico é inimaginável sem protagonistas individuais, sem entidades distintas separadas, a existência do mal é absolutamente essencial para a criação do mundo como o conhecemos. Esse entendimento está basicamente de acordo com a noção encontrada em algumas escrituras místicas cristãs de acordo com as quais o anjo decaído Lúcifer (literalmente, “portador da luz”), como representante das polaridades, é visto como uma figura demiúrgica. Ele leva a humanidade na fantástica viagem ao mundo da matéria. Abordando o problema de uma outra perspectiva podemos dizer que, em última análise, o mal e o sofrimento são baseados numa falsa percepção da realidade, particularmente na crença dos seres sencientes de que são individualidades separadas. Esse insight constitui uma parte essencial da doutrina budista da anatta ou Anātman (não eu).

Hino à Matéria - Teilhard de Chardin


Bedita sejas tu,
áspera matéria,
terra estéril,
dura rocha,
que cedes apenas à violência
e nos forças a trabalhar
se quisermos comer.

Bendita sejas,
poderosa matéria,
evolução irresistível,
realidade sempre nascendo,
que a cada momento fazes em estilhaços nossos limites
e nos obrigas a procurar
cada vez mais profundamente a verdade.